São Paulo, sábado, 30 de julho de 1994
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A casa e o comício

Dificilmente se poderia imaginar um exemplo mais cabal, mais flagrante do paternalismo retrógrado e manipulador que tanto marca a política em diversas regiões do país do que a tentativa de atrair público para um comício de Fernando Henrique Cardoso por meio do sorteio de uma casa popular.
Em episódio presenciado pela reportagem desta Folha em Codó (MA), o candidato a deputado estadual Camilo Figueiredo (PFL) anunciava do seu carro de som que uma casa construída pela prefeitura local seria doada durante o comício. Ao saber da presença do jornal, o candidato rapidamente negou que houvesse feito a promessa, admitindo porém que o sorteio de casas é uma prática comum na cidade.
O mais surpreendente nessa demonstração de coronelismo explícito e de subdesenvolvimento político não é nem mesmo o fato de que ela tenha ocorrido. Desgraçadamente, é sabido que práticas como essa perduram ainda em largas áreas do país. Mais do que isso, têm sido hábito de alguns partidos de tradição clientelista, como é o caso de importantes seções regionais do PFL. Até aí, é quase rotina, ainda que profundamente lamentável.
Mas o que mais chama a atenção é que o caso acaba por atingir, ainda que indiretamente, Fernando Henrique, candidato cuja história e conduta haviam criado a imagem de um político mais moderno, avesso a recursos como a exploração rasteira e escancarada da miséria.
Mesmo que o candidato não estivesse a par da oferta, como parece o mais provável, o fato é que ela se referia ao seu comício –deveria mesmo, ressalta a reportagem, ser a grande atração do evento– e liga-se portanto ao seu nome.
A aposta de Fernando Henrique, ao coligar-se ao PFL, é a de que o benefício eleitoral dessa esdrúxula aliança suplantará seus custos. Ver seu nome ligado às tradições mais arcaicas e condenáveis da política brasileira é mais um desses custos.

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