São Paulo, sábado, 30 de julho de 1994
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Todos de novo com todos

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Ler a ecumênica lista de presenças ao ato em que Fernando Henrique Cardoso lançou o embrião de seu programa de governo, anteontem, só pode trazer à memória uma análise do sociólogo argentino-brasileiro Guillermo O'Donnell.
No início da chamada "Nova República", em um seminário na Universidade de São Paulo, O'Donnell previa o fracasso do que chamava "transição todos com todos". Ou, simplificando, uma transição em que se uniam alguns figurões do regime anterior com algumas das principais lideranças da oposição.
Deu no que deu. Agora, FHC, com suas alianças, remonta uma "Aliança Democrática" (a coligação PMDB/PFL daquela época) algo mais estreita, porque deixa de fora (por enquanto) a ala quercista do PMDB. De novo, ensaia-se o "todos com todos".
Há aí uma cruel ironia. O esquema de poder que domina a República desde tempos imemoriais levou o país a esse desgraçado estado em que se encontra. O Brasil, às vésperas do século 21, continua sendo um país coronelesco. Um coronelismo que é político, mas é também econômico e, mais recentemente, igualmente eletrônico.
Parece improvável que se possa sair do atoleiro sem quebrar esse molde. O momento ideal para fazê-lo parecia ser a eleição de 1994. O esquema tradicional se esgotou ao menos no que se refere à faces que pudesse oferecer ao eleitorado, com alguma viabilidade.
Uma situação, aliás, que já vinha de 89, quando o coronelismo de sempre foi obrigado a apoiar-se em Fernando Collor, que tapava (mal, mas tapava) o bolor de suas práticas com uma máscara de juventude e modernidade.
Agora, nem esse simulacro existe, e os velhos esquemas tiveram que agarrar-se em FHC. Caberá, pois, ao PSDB e a seu candidato, se eleito, demonstrar que se pode romper o velho molde por meio de uma aliança com os seus principais epígonos.
O fato de não ter dado certo na primeira tentativa não condena a segunda, necessariamente, a idêntico resultado. Mas se a história se repetir, o custo da farsa será certamente bem maior.

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