São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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O fim do silêncio

JANIO DE FREITAS

O laudo da autópsia de Ariosto Franco já era conhecido das autoridades da Colômbia há algum tempo, mas sua divulgação só se deu em razão da posse do novo presidente do país, anteontem.
Para autoridades e jornalistas colombianos, a divulgação estava sustada por acordo entre as presidências dos dois países, feito antes de concluída a autópsia e com a finalidade de não agravar o mal-estar subsequente ao incidente. A hipótese, porém, de que a morte fosse por envenenamento, levantada por pessoas do governo brasileiro, aborreceu os colombianos, que a interpretaram como desrespeitosa aos seus esforços para dar plena segurança às comitivas presidenciais reunidas em Cartagena. Mesmo com o país abalado por guerrilhas abandidadas e pelo terrorismo do narcotráfico, a segurança foi absoluta.
Por acordo ou por decisão do agora ex-presidente Gaviria, o silêncio se sobrepôs à compreensível mágoa colombiana. Com a posse de Samper, alheio tanto ao alegado acordo pessoal como a uma possível decisão informal do antecessor, o juizado de instrução (lá chamado de "fiscalia"', daí ser a divulgação atribuída ao "fiscal") informou à agência Efe o resultado da autópsia constante do processo sobre a morte.
Os colombianos estavam ansiosos por provar que não houve envenenamento.
Irresponsabilidade
Indisciplina mais grave ainda não houve, e isso é quase inexplicável. Mas o estado de irritação nos quartéis já exigiu punições, uma delas nestes dias. O que o governo está fazendo, portanto, e não importa se a responsabilidade é da equipe econômica ou não, assume ares de uma provocação só possível porque a disciplina tem prevalecido. Três meses de adiamentos semanais da correção de vencimentos exasperam qualquer um, quanto mais os militares.
A equipe econômica é contrária à correção e disso não faz segredo. Mas não pode deixar o presidente da República desprovido de argumentos, ou abastecido só de argumentos que não se sustentam, para recusar a correção. E o presidente, duvidando do que lhe diz a equipe econômica, não pode fazer promessas semanais que não se cumprem. Os chefes militares, por fim, não podem continuar aproveitando solenidades de datas nacionais para discursos que fogem à celebração e assumem o aspecto constrangedor de pressão, por mais justas que sejam suas reivindicações.
É mais do que hora de ser adotada uma solução para esta lengalenga.
Muito intelectuais
Se não ficar nos tempos futuros como filósofo, Jean-Paul Sartre mereceria figurar neles como símbolo da intransigência com os princípios. Sua recusa mesmo às mínimas concessões levou-o a negar-se até a receber o Prêmio Nobel.
A história de que a eleição aqui é disputada por um "Sartre e um encanador", pespegando o nome de Sartre ao cúmulo das concessões políticas e econômicas, só pode ser vista com a lembrança do genial "Pif-Paf" de Millôr e sua mais célebre seção: "Ah, essa falsa cultura".

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