São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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No Brasil, eleição lembra estado de sítio

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Desde o fim o ciclo militar, com a escolha indireta de Tancredo Neves, é a sétima eleição realizada livremente no país: prefeitos das capitais em 85, governadores, senadores e deputados em 86, prefeitos em 88, presidente em 89, governadores, senadores e deputados em 90, prefeitos em 92 e, agora, a supereleição de 94.
Para cada disputa, regras diferentes. É incrível, mas o Brasil não tem uma legislação estável. E mais incrível ainda: todas as disputas ficaram marcadas por restrições, mais ou menos severas, à liberdade de expressão e de informação jornalística.
A retrospectiva da legislação e do papel exercido pela Justiça Eleitoral durante esse período de quase dez anos mostra que o país, em época de eleição, vive uma espécie de estado de sítio. As mensagens dos candidatos invadem as residências pelo rádio e pela TV. São tantas intervenções que o eleitor deixa, temporariamente, de ser um cidadão pleno.
A fúria proibitiva parece insaciável. Em 89, foi contida em parte pelo TSE, que considerou algumas proibições inconstitucionais. A lei impedia a divulgação de pesquisas, a aparição de candidatos em programas de entrevista e, no dia do voto, qualquer notícia no rádio e na televisão sobre os possíveis eleitos e o "comportamento dos eleitores".
Mas nem sempre a ação da Justiça Eleitoral é liberalizante. Em muitas oportunidades, os magistrados assumiram o ônus do arbítrio. Em 88, o PT não pôde exibir em São Paulo cenas de violência policial porque atingiam a PM. Era época de "censura simultânea": um juiz de plantão recusava, ao vivo, as imagens inconvenientes. Em 92, artigos de Paulo Francis não podiam ser publicados porque atingiam o PT. A lei atual veda a censura e seus adeptos estão de mãos atadas.
Ao proibir em 94 a participação de "pessoas estranhas" no horário eleitoral, o TSE repetiu o que fez em 86, quando se temia a capacidade de Brizola, governador do Rio, influir na escolha do seu sucessor. Agora, comenta-se em Brasília, a medida foi tomada para evitar a reaparição do ex-presidente Collor. Casuísmo inútil. Nos dois casos, a Justiça criou um veto não previsto em lei.
Este ano, a programação da TV está engessada. A lei não permite, em qualquer tipo de programa, a "alusão" que prejudique candidatos ou partidos políticos, "mesmo que de maneira subjetiva". Cria embaraço, assim, para o direito de informação, de crítica e até de humor.
A justificativa para tanto obscurantismo é o medo da manipulação.
Acredita-se por aí que a Globo é capaz de eleger quem o seu acionista quer (ainda que as duas eleições de Brizola no Rio de Janeiro mostrem que essa premissa não é absoluta). Acredita-se, sobretudo, que os eleitores não têm capacidade de ver, ouvir, pensar e discernir livremente: precisam de tutela para que não sejam "influenciados".
A receita contra tudo isso é simples: punição eficaz das condutas que merecem punição. Como não há coragem política, por exemplo, para se condenar uma rede de TV que rompe o dever de apartidarismo, a "solução" é estabelecer normas preventivas. Só que emissoras continuam em campanha e, em compensação, a censura se eterniza. Tem sido assim desde 85.

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº, 36, advogado e articulista da Folha, escreve às terças-feiras nesta coluna.

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