São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Ilha do Pacífico ainda sofre com a bomba

SUSAN KATZ MILLER
DA "NEW SCIENTIST"

Quarenta anos depois de sua ilha ser coberta por poeira radiativa, os habitantes de Rongelap já podem voltar para suas antigas casas, segundo a Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Em 3 de março de 1954, dois dias depois de uma bomba nuclear explodir a 200 km de distância, tropas americanas chegaram para evacuar os ilhéus. As crianças de Rongelap já estavam brincando em uma estranha neve que tinha vindo a este atol de coral no oceano Pacífico. Era poeira radiativa vinda da explosão nuclear em outro atol, Bikini, alvo de uma bomba de hidrogênio.
Para poder voltar para casa, os habitantes de Rongelap vão ter que fazer mudanças em seu estilo de vida tradicional. Pelo menos parte de seus alimentos terá de ser importada, e eles terão de usar fertilizantes especiais para reduzir o grau de radiatividade acumulada nos produtos agrícolas locais.
"O povo de Rongelap ficou obviamente traumatizado pelo seu envolvimento involuntário no teste nuclear", informa o relatório da academia.
Em 1957, depois de receberem tratamento contra a exposição à radiação e passarem por testes exaustivos, eles receberam luz verde para voltar para casa. O governo dos EUA assegurava que o índice de radiatividade tinha decaído a níveis aceitáveis.
Mas com o passar do tempo os ilhéus começaram a ficar preocupados com os altos índices de câncer e outros problemas de saúde.
Em 1985, apesar de o governo dos Estados Unidos continuar dizendo que eles estavam em segurança, os habitantes de Rongelap foram pela segunda vez para o exílio. O navio Rainbow Warrior, da entidade ambientalista Greenpeace, evacuou a população para outro atol, a 300 km de distância, Kwajalein. Eles permaneceram lá nos últimos nove anos.
"A geração mais velha, em particular, ainda quer voltar", diz Banny de Brum, encarregada de negócios da embaixada das ilhas Marshall nos Estados Unidos. Existem cerca de mil descendentes das pessoas que viviam em Rongelap na época da bomba, e segundo gente da embaixada, cerca de 400 querem voltar.
O relatório da academia foi feito a pedido do governo dos EUA. Os ilhéus encomendaram um estudo paralelo, que deverá ser divulgado em breve. Eles hoje desconfiam do governo americano.
Mais de 90% da radiação que os habitantes do atol podem receber vêm de um elemento químico, o césio-137, no solo e nas plantas. O relatório não recomenda a remoção do solo superficial da ilha, devido à sua ecologia frágil.
Os cientistas sugeriram remover uma camada de solo perto de cada casa e da vila central e colocar coral moído em cima.
A população da ilha deverá consumir metade de suas calorias de comida importada e deve procurar evitar algo intimamente associado com a vida em uma ilha do Pacífico Sul –água de coco.
Apesar de o coco ser parte tradicional da dieta nas ilhas Marshall, ele deve ser evitado por que o césio se acumula nele.
Outra fonte de césio, e tradicional fonte alimentar, são caranguejos. Também deverão ser evitados.
Mesmo com toda precaução, o relatório sugere exames médicos anuais nos que retornarem.
O relatório reconhece que há uma desconfiança entre os ilhéus das informações que foram passadas pelo Departamento de Energia dos EUA. Eles acreditam que foram deliberadamente expostos à poeira radiativa e voltaram cedo demais para Rongelap.
Para receber compensação do governo norte-americano, os ilhéus devem provar que sua exposição à radiatividade foi premeditada, e que foi um tipo de experimento médico.
Pessoas expostas a testes de armas nucleares não são passíveis de compensação, de acordo com as normas de um comitê de assessoria à presidência sobre experimentos com radiação em seres humanos.
Tony de Brum, senador pelas ilhas Marshall, disse ao comitê que os documentos que foram liberados pelo Departamento de Energia provam que o governo americano mentiu repetidamente os ilhéus, e reteve informações cruciais durante as negociações que terminaram a autoridade americana sobre as ilhas em 1983.
Segundo De Brum, documentos provam que os ilhéus foram tratados como "objetos" de pesquisa médica em um estudo sobre os efeitos em seres humanos da poeira radiativa.

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