São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Real e impeachment marcam campanha

RICARDO SOCA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A luta contra dois monstros que habitam há muito tempo os pesadelos dos brasileiros– a corrupção e a inflação– imprime seus tons dramáticos à atual campanha eleitoral, tornando-a um espetáculo particularmente excitante para a platéia internacional. Como atração adicional, o programa promete emoções fortes, com a presença no palco de dois atores bem conhecidos fora de fronteiras: o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva e o sociólogo social-democrata Fernando Henrique Cardoso.
Durante 1992, a mídia da Europa e dos Estados Unidos acompanhou passo por passo o processo que desembocou, pela primeira vez na história, na destituição legal de um presidente, sob acusações de corrupção. A marca indelével que o impeachment deixou no cenário político brasileiro não poderia deixar de estar presente neste processo eleitoral, colocando a honestidade como elemento indispensável na maquiagem de qualquer aspirante à Presidência do Brasil.
Dois anos após a queda de Collor de Mello, lembra-se que Lula, seu adversário nas eleições de 1989, ergueu-se em pouco tempo como favorito da maioria dos brasileiros, e há menos de dois meses sua popularidade, no apogeu, superava amplamente a de todos os outros presidenciáveis somados, até o ponto em que houve gente que pensou achar-se diante de um fenômeno irreversível. No entanto, se de um lado a candidatura de Lula cresceu no combate à corrupção, pelo outro, Cardoso, com uma imagem de integridade tão imaculada quanto a do ex-sindicalista, soube construir rapidamente sua popularidade em cima do cadáver –por enquanto insepulto– de outro monstro não menos temível: a inflação crônica que nos 12 meses anteriores a julho chegou a cerca de 5.000%, um patamar arrepiante para os plácidos padrões do Primeiro Mundo.
As últimas enquetes apresentadas pelos principais institutos de estatística social suscitaram novas emoções na platéia internacional, mostrando um crescimento da candidatura de Cardoso tão vertiginoso que chegou a surpreender o próprio postulante social-democrata e seus aliados. A rápida polarização da campanha eleitoral reduziu a um rol secundário personagens de longa trajetória, como o veterano caudilho trabalhista Leonel Brizola, figura prestigiosa entre os socialistas europeus, hoje estagnado em escassos 5%. De outra parte, para o público do Hemisfério Norte, habituado a um cenário político dominado por partidos sólidos e de firme consistência ideológica, não é fácil compreender o fracasso estrepitoso do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, que, apesar de pertencer ao maior partido do Brasil, se arrasta em exíguos 3%, em humilhante empate com o histriônico Enéas.
O roteiro liberal e privatista de Cardoso, devidamente atenuado com uma preocupação social que é indispensável no Brasil, resulta aos olhos das social-democracias européias muito mais atraente que o programa nacionalista, estatocrático e distributivo de Lula. No entanto, a aliança eleitoral que Cardoso concluiu com caciques conservadores comprometidos com o regime militar tem empanado o brilho de sua imagem de esquerdista aggiornato, intelectual de renome internacional e militante destacado contra o regime militar.
As maneiras refinadas do cosmopolita Cardoso lhe conferem uma imagem de estadista que, sem dúvida, se coaduna melhor com os padrões familiares aos espectadores do Primeiro Mundo. No entanto, eles não podem negar o irresistível fascínio que neles suscita o personagem Lula, com seus modos toscos, a linguagem simples e direta com que chega ao povo, e sua biografia de protagonista de alguma estória de Dickens, migrante nordestino que chegou à desenvolvida São Paulo escapando a uma sina de fome e miséria.

Texto Anterior: Rejeição cresce com TV
Próximo Texto: Paternidade irresponsável
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.