São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Cohen lança coletânea de músicas ao vivo

STÉPHANE DAVET
DO "LE MONDE"

O novo álbum de Leonard Cohen, "Leonard Cohen Live in Concert", oferece uma seleção de títulos gravados em shows (cinco faixas da turnê de 1988 e oito da de 1993) para o segundo disco "ao vivo" de sua carreira (o precedente, "Live Songs", foi lançado em 1973).
Cohen personificou por muito tempo o arquétipo do cantor folk intimista. É difícil imaginar Leonard Cohen de outra maneira senão acompanhado pela seca austeridade de um violão.
Em 1988 e 1993, entretanto, na época de suas últimas turnês, o cantor canadense esteve cercado por um grupo de uma dezena de músicos que deram a seus shows a aparência de grande recital.
Se, com o tempo, alguns de seus companheiros –o amigo Bob Dylan, por exemplo– se aproximaram do rock, Leonard Cohen preferiu confiar suas letras ao know-how decorativo de instrumentistas cuidadosos, capazes de colorir suas canções sem se envolver demais nelas.
A limpeza dos sons às vezes se aproxima do conformismo das orquestras de variedades, mas a beleza dos coros femininos, a evocação melancólica de suas origens judias do Leste Europeu (o violino de Bob Furgo) dão um belo estofo a seu rigorismo original.
A voz de Leonard Cohen, mais profunda e sepulcral com a idade e os cigarros, parece obter prazer em degustar cada uma das palavras que fizeram dele, há 30 anos, um dos grandes poetas contemporâneos.
O cantor teoriza sobre suas reinterpretações. "A qualidade das turnês depende dos vinhos bebidos a cada dia. Convém começar por um vinho não muito ambicioso, como um Mouton-Cadet, depois elevar o nível e a quantidade. A maioria das faixas extraídas de shows de 1993 carregam a marca de um Château-Latour da safra de 82. Alguns vinhos fazem você partir para longe, permitem a você se afogar nos olhos de sua companheira ou se integrar totalmente a uma canção."
Para esse existencialista afável, o desespero não carece nem de humor, nem de distinção. Mais da metade das faixas escolhidas para esse disco já tem mais de 20 anos.
Como cantar hoje as dores de ontem? "Eu entro em minhas canções com ansiedade. Às vezes é duro ter que procurar a porta que se deve atravessar. O vinho me ajuda nisso. Não é necessário tentar dominá-lo, podemos nos entregar a ele. Ao entrar no palco, penso frequentemenete naqueles que vão morrer te aplaudindo."
Essas composições, jardins secretos de conteúdo fortemente autobiográfico, guardam uma verdade além das circunstâncias do momento em que foram escritas.
"Todas essas canções estão ligadas a acontecimentos específicos", explica, "mas não creio que esses detalhes tenham muita importância. O que sempre conta é somente a urgência da escrita, a necessidade imperiosa de ordenar o caos interior, de dar um significado a um mundo que não o tem."
A notável longevidade desse elegante sexagenário se impõe tanto quanto a beleza preservada de suas primeiras gravações. Desde 1967, as canções do canadense pareciam obras de maturidade.
Talvez porque antes de sua voz se tronar conhecida –com o disco }Songs, de 67–, Cohen foi admirado por seus poemas e seus romances ("The Favourite Game", "The Losers"). A música, entretanto, foi sua primeira paixão.
"Eu gravei discos tardiamente", lembra-se, "mas aos 16 anos eu tocava no colégio, num grupo de country chamado Buckskin Boys. Foi colecionando canções folk e country que comecei a me interessar por textos e, mais tarde, por poesia. O primeiro poeta que amei foi Federico Garcia Lorca."
Em torno de um poema musicado, "Suzanne", ele decide, em 1966, se arriscar nos palcos. "Eu tinha assistido aos sucessos de Dylan e de Joan Baez. A música que eu gostava havia se popularizado. Imperativos financeiros me levaram a tentar minha sorte."
Associado à cena folk, Leonard Cohen se singularizou em relação às tendências da época. "Eu não admirava a retórica esquerdista. Minha mãe tinha fugido da Rússia. Eu sabia que aquilo não era exatamente um paraíso de trabalhadores. A América tinha acolhido meus pais e eu não conseguia me identificar com slogans que proclamavam a destruição de pessoas como eles. Em 'Story of Isaac', escrevi 'homem de paz, homem de guerra, os pavões abrem o leque/ há vaidade de ambos os lados'."
O compositor de "Bird on a Wire" preferirá outra ideologia, um pessimismo introspectivo, utilizando um vocabulário místico para descrever suas dúvidas, seus desejos e seus fracassos amorosos.
"Fui muito influenciado por Frank Lane", reconhece, "um cantor de origem italiana, da geração de Frank Sinatra e Tony Bennett, mas escandalosamente subestimado. Ele estava no cruzamento entre as grandes baladas e a intensidade do rock. O canto dele era muito vulnerável, como se fosse obcecado pela morte. Canções como 'Black Lace', 'Swamp Girl' ou 'Jezebel' têm um erotismo bastante negro."
Espécime único, do qual a cruel lucidez inspirou artistas de várias gerações (há dois anos a compilação "I'm Your Fan", com roqueiros da cena independente como R.E.M. e Nick Cave, fazia homenagem a ele e, no seu retorno, na época de seus 60 anos, estrelas como Sting e Elton John gravaram suas canções), Leonard Cohen sempre aprofunda o mesmo sulco.
"A qualidade de um repertório não depende da quantidade de temas abordados, mas da profundidade que se é capaz de alcançar. Os maiores têm três ou quatro canções que reescrevem muitas vezes. Eu só tenho duas."
Essa persistência é também a de um trabalhador maníaco, capaz de passar um ano dedicando-se a alguns versos, cortando-os sem parar, obcecado pela simplicidade da forma.
Vinte e sete anos foram necessários para a realização de seus 11 álbuns. Hoje, ele vive num mosteiro zen, situado a 2.000 metros de altitude em uma montanha da Sierra Madre (México).
"O caminho que sai do mosteiro é muito perigoso, mas durante a noite, se for preciso, posso dirigir em alta velocidade."
Tradução de Cássio Starling Carlos

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