São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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O telespectador fora de casa

HELCIO EMERICH
As emissoras de televisão dos EUA estão questionando os ibopes de lá e, por tabela, armando uma briga com as agências de propaganda. A razão da polêmica não é a desconfiança em relação aos índices de audiência levantados pelas empresas de pesquisa.
O que os executivos de marketing e da área comercial das grandes cadeias de TV querem mudar é o antigo critério de medição adotado pelos institutos, segundo o qual o único telespectador que realmente conta nos relatórios de audiência é o chamado "couch potato", aquele consumidor ou consumidora que se aboleta no sofá da sua casa para ver o que vai acontecer na telinha.
As três redes de TV que dominam a audiência dos programas transmitidos em "network" se juntaram no ano passado para patrocinar, através da A.C. Nielsen, uma pesquisa com a finalidade específica de quantificar e traçar o perfil de um outro tipo de telespectador, o "out-of-home viewer".
Trata-se de um "consumidor" de TV com hábitos e reações diferentes do comedor de batatas da poltrona: ele assiste televisão em hotéis, motéis, bares, clubes, hospitais, dormitórios de colégios (caso do público jovem) e principalmente no ambiente de trabalho.
Não foi exatamente o primeiro estudo do gênero mas foi o único até agora com o endosso oficial das três maiores cadeias de TV dos EUA (ABC, CBS e NBC).
E os resultados impressionam, a partir da constatação de que pelo menos 28 milhões de americanos de ambos os sexos assistem televisão fora de casa. A fatia maior fica para os locais de trabalho (27%), seguindo-se os colégios (26%), hotéis e motéis (17%), restaurantes e bares (15%) e outros, incluindo "segundas residências" (14%).
Para as emissoras, isso significaria que alguns horários de maior prestígio (como os "prime time shows") poderiam contabilizar em média mais 4% na sua audiência total. Ou mais: os índices do programa "Law and Order" da NBC, por exemplo, teriam um acréscimo de 9 pontos.
Segmentando-se o público telespectador por sexo e faixa etária, a pesquisa descobriu que o talk show de David Letterman ganharia mais 27% de audiência entre as mulheres com idade entre 18 e 34 anos.
É claro que essas revelações poderiam se refletir diretamente nas tabelas de preços das emissoras e foi aí que os anunciantes e as agências começaram levantar dúvidas sobre a pesquisa da Nielsen.
Debbie Salomon, vice-presidente de mídia da J.W.Thompson, acha que uma pessoa que se encontra num bar não pode ser comparada com o telespectador doméstico: não raramente ela tem à sua disposição quatro ou cinco aparelhos de TV (às vezes ligados em canais diferentes), o som é abafado pelo barulho do ambiente e sua atenção não é concentrada.
Outra vice-presidente de mídia, Betsy Frank, da Saatchi & Saatchi, não aceita o que ela considera um "equívoco de metodologia", já que a Nielsen aplicou nas entrevistas os mesmos critérios que utiliza nas pesquisas de audiência feitas nos lares americanos (no velho método de consulta de porta em porta ou por telefone).
Steve Singer, porta-voz da NTA (Network Television Association), a entidade que encomendou o estudo em nome das três redes, se defende dizendo que, por enquanto, os dados referentes aos telespectadores "out-of-home" não vão ser computados nos índices oficiais das emissoras.
Mas prepara o terreno: "Quando se prova que fora de casa há um público extra de quase 30 milhões de pessoas vendo TV, é preciso começar a reavaliar o relacionamento dos consumidores americanos com a televisão", insinua ele.

HELCIO EMERICH é jornalista, publicitário e vice-presidente da agência Almap/BBDO.

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