São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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A cultura club já morreu e só aqui ninguém percebeu

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na nova edição da revista americana "Wired" tem uma entrevista com Juan Atkins. Juan é o fundador-mor do tecno, o cara que usou os blips e tóins do Kraftwerk e afilhados para fazer dance music. Ele fala de música, de Alvin Toffler e do poder da mídia.
Foi lendo isso que uma coisa que já andava rondando minha cabeça se cristalizou. É o seguinte: acho essa cultura clubber brasileira um beco sem saída.
Não que as pessoas não continuem dançando. Dançam, cada vez mais. E tem muita gente produzindo coisas interessantes em dance music, especialmente na Europa.
Mesmo as coisas que não são tão interessantes assim têm lá suas razões de ser.
Não, minha bronca não tem nada a ver com o ato de sair para dançar, tão perfeitamente válido do ponto de vista hormonal e existencial quanto bater cabeça num show de heavy metal.
O que me incomoda é a falta de imaginação e ambição. Tenho trombado aqui em São Paulo com uma moçada que tem certeza que está em Nova York. Gente que sai para "ver e ser visto", uma atividade de pavão novo-rico. Gente que faz muita questão de ter "estilo", ainda que esse estilo seja xerocado das revistas gringas.
É gente que não produz nada, sem profissão e sem perspectiva. Tem que ser, para virar as madrugadas a semana toda. Geralmente eles se apresentam como "promoter", "produtor de moda" ou coisa parecida. É o equivalente de se dizer "videomaker" ou "poeta alternativo" dez anos atrás. Coisa de desocupado.
O espírito da horda é tão forte que até essa turma, que teoricamente recusa os "padrões caretas", se comporta como um bando de zumbis. Agora a moda é ser gay, bi, bolacha, drag? Ótimo, é uma coisa superalternativa. O lance é tecno? Todos amamos tecno. Mudou para música black, para jazz-rap? Somos todos negros na alma...
Nos Estados Unidos a mídia tem tentado burramente definir em alguns adjetivos a tal "geração X", a turma de 19 a trinta anos. É uma turma cínica, mas sem senso crítico. Uma turma que não confia em nada e nem está a fim de criar algo em que se possa confiar. Que não tem dinheiro e decidiu que nunca vai ter. São hedonistas preguiçosos se agarrando à infância.
Claro que é uma simplificação grosseira. Mas nas poucas vezes que eu saio à noite, me vejo cercado por clichês ambulantes que correspondem perfeitamente a essa descrição. Cada um, claro, se achando original e modernex. É a volta do "rebanho-que-saca", como definiu há dez anos um ilustre pensador da imprensa paulista.
Entenda: minha crítica não é pela direita, é pela esquerda. Não tenho nada contra dançar, nada contra o prazer de ser inútil, nada contra o ócio e nada contra tentar escapar da vidinha de carteira registrada. Mas recusar um beco sem saída para se enfiar cegamente num estilo de vida morto-vivo como o da cultura clubber paulistana não tem um pingo de "atitude". Sorry, Erika.

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