São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Solidariedade a Cardoso Alves

LIBERATO CABOCLO

Tenho lido nesta Folha manifestações de professores universitários solidarizando-se com o sr. Roberto Romano, em virtude do mesmo estar sendo processado pelo deputado Roberto Cardoso Alves.
Talvez os professores não saibam, mas o sr. Romano ofendeu não apenas o sr. Cardoso Alves, mas a todo um Congresso, que inclui, entre outros, professores universitários, eventualmente exercendo um mandato e alvos de uma agressão improcedente, torpe e indigna.
Lamento que se confunda direito de opinião com direito de mentir e caluniar. Pensei também em processar o sr. Romano, mas não o fiz em virtude do pouco apreço que devoto ao referido sr., cujas atitudes primam pelo despreparo intelectual e covardia.
Num artigo nesta Folha, o sr. Romano classificou o Congresso como uma "casa de tolerância", ou melhor como um "prostíbulo risonho".
Além de ataques pessoais a certos congressistas, o referido professor estendeu suas críticas à maioria dos parlamentares porque os mesmos não haviam censurado uma gargalhada do deputado Inocêncio Oliveira. Ou seja, entre outras tantas obrigações, caberia aos deputados o dever de censurar o humor do presidente da Câmara.
Eu, sinceramente, não sei em que circunstâncias ocorreu a referida gargalhada, mas gostaria de informar ao sr. Romano que o riso não obrigatoriamente traduz uma sensação de regozijo ou de prazer. Não é raro que, ante uma situação de tensão, o indivíduo sorria de modo até incontrolado.
O professor Bresser Pereira tem esta característica. Um sorriso, quase espasmódico, quando enfrenta questões complicadas. O mesmo se diga da professora Dorothéa Werneck. O mal é que se confunde indivíduo carrancudo com homem sério. Da minha parte prefiro a figura galhofeira de Einstein do que a imagem circunspecta de Hitler.
O sr. Romano se intitula cientista político, mas é evidente que de ciência não entende nada. Um jornalista da Folha mostrou, num excelente trabalho jornalístico, que havia uma funcionária no Congresso que agenciava prostitutas. Fato lamentável que todos nós repudiamos. Até aí estamos de pleno acordo com o cientista Romano.
No Congresso devem trabalhar em torno de 3.000 mulheres, nas mais variadas funções. Caberia ao cientista Romano avaliar estatisticamente, num estudo pareado se a incidência de tais desvios no Congresso está abaixo do padrão de comportamento ético observado em outras instituições. Da minha parte posso assegurar que esse tipo de transgressão não me chama a atenção. Pelo contrário, se há uma característica do Congresso que nos alegra é a dignidade das suas funcionárias.
Situações particulares e fatos isolados não permitem conclusões científicas. O sr. Romano deve saber que em estudos de população se exige pelo menos um índice menor que 5% para que uma verdade seja cientificamente aceita. Se ele não sabe isso é desonesto. Está ocupando um lugar para o qual não tem preparo. Se sabe, pior ainda, revela o seu péssimo caráter.
Seria indigno da minha parte considerar a USP como um campo de concentração porque eventualmente um dos seus professores legistas transformou um assassinato num suicídio para servir a um regime militar. Seria execrável da minha parte considerar uma universidade um prostíbulo docente, porque, por hipótese, algum dos seus professores estivesse envolvido em importações fraudadas de computadores ou em especulação imobiliária.
Mas as incoerências do sr. Romano ultrapassam no mesmo artigo os limites do imaginável. Ele se refere às empregadas domésticas como o último degrau dos seres humanos, dignas apenas de salários humilhantes. É deprimente que um professor universitário enalteça Catão num momento tão infeliz –"coragem filho, fazes bem frequentando mulheres que nada valem, ao invés vez de atacar matronas sérias". Valem sim, meu caro professor. As prostitutas são seres humanos. Ou não sabia, ilustre filósofo?
Aliás, que português ruim tem o pretenso filósofo. Num só texto, comete o mesmo erro duas vezes. Meu caro professor, não é "ao invés de" o certo é "em vez de". "Ao invés de" significa "ao contrário de". O contrário de "frequentar" é não frequentar. O contrário de "matronas sérias" é matronas não sérias, e não, prostitutas. Existem prostitutas muito mais sérias que certas matronas.
Quanto ao deputado Cardoso Alves, lhe empresto a minha irrestrita solidariedade, por ter defendido a honra dos seus pares, inclusive deste humilde professor universitário, abandonado pela sua Associação de Classe, simplesmente porque foi eleito deputado federal pela sua comunidade, em reconhecimento ao seu trabalho ao longo de toda a sua vida profissional.
Tenho discordâncias ideológicas as mais profundas com o deputado Cardoso Alves. Mas tenho por ele o maior respeito como ser humano. Admiro a sua coragem, porque mesmo ameaçado preferiu perder o seu mandato do que conceder licença para que o governo militar processasse o então deputado Márcio Moreira Alves. Enquanto isto um sem-número de robertos arábicos ou romanos entregavam seus companheiros com medo de tortura. Não se deve confundir coragem com agressividade.
Realmente a agressividade que hoje existe no país nos deixa deprimido. Mas foi impossível conter o riso ante o enaltecimento que Romano faz a Catão –jovem, deves evitar frequentar o prostíbulo durante o dia. Ou seja, à noite, na moita, tudo bem. Grande filosofia!

Texto Anterior: Crítica sem crime
Próximo Texto: Folha, eu recomendo; FHC e o mínimo; Dinheiro da saúde; Espírito ferroviári; Cidadãos e palhaços; Desserviço público; Agressão sonora; Insensibilidade; Preço dos remédios; Voto consciente; Raul Seixas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.