São Paulo, sábado, 3 de setembro de 1994
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Crime e confissão

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – O ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, está cometendo e confessando crime eleitoral infinitamente mais grave do que o uso (suposto ou real) da máquina pública federal em favor da candidatura Fernando Henrique Cardoso.
O ministro, depois de ser entrevistado ao vivo pelo "Jornal Nacional", da Rede Globo, continuou conversando com o jornalista Carlos Monforte, certo de que câmeras e microfones estavam desligados. Não estavam. Suas declarações foram captadas por todas as parabólicas que estavam sintonizadas, na noite de anteontem, no sinal da Globo.
Ricupero, à vontade, tirou o traje de monge beneditino que caracteriza as suas aparições públicas e vestiu a roupa de maior cabo eleitoral de FHC. Não escondeu em momento algum o uso do Plano Real como arma de campanha.
Entre outras pérolas, o ministro se disse deliciado com o pedido de Monforte para fazer o sacrifício de ficar nos estúdios um pouco mais de tempo, para que, além da entrevista ao vivo para o "JN", fosse gravada uma outra para o "Jornal da Globo".
"Para a Rede Globo, foi um achado. Porque ela, em vez de ter que dar apoio ostensivo a ele (FHC), bota a mim no ar e ninguém pode dizer nada" (reproduzo literalmente a confissão do ex-monge).
Depois dessa, o ministro nem precisava acrescentar, como o fez: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom, a gente fatura; o que é ruim, esconde". É pouco provável que a TV brasileira, ainda que em circuito fechado, tenha testemunhado cenas tão explícitas de cinismo.
Se o ministro cuja imagem, até agora, era a de homem eminentemente ético e também competente pratica esse tipo de deslize, imagine-se então o que não fazem outros homens públicos (e não tão públicos).
Depois da noite em que Ricupero viveu o seu momento de Galvão Bueno (lembra-se do bate-boca do locutor com Pelé, durante a Copa do Mundo, também captado pelas parabólicas?), vai ser difícil negar que o país está diante de um estelionato eleitoral.
É um crime imperdoável. O Brasil precisa de estabilidade e foi dado um passo importante nessa direção, ainda que provisório. Não é tolerável que se subordine uma necessidade nacional a uma campanha eleitoral.

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