São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994 |
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Tenores matam ópera e mostram 'pot-pourri'
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Fantasia sorridente. Na realidade, acontece o inverso. A ópera parece ter ensinado pouco a gente como os tenores José Carreras, Plácido Domingo (espanhóis) e Luciano Pavarotti (italiano). Eles fazem a massa reconhecer apenas um dos aspectos da arte lírica: o vedetismo, a superficialidade das árias conhecidas, o aplauso fácil. Os três acabam de lançar o CD "The 3 Tenors In Concert 1994" (Warner). O disco foi gravado ao vivo no Dodger Stadium de Los Angeles em 16 de julho deste ano, para celebrar o final da Copa. A orquestra é a Filarmônica de Los Angeles, com regência do maestro indiano Zubin Mehta. O disco está nas paradas de sucesso do mundo todo há um mês e chegou na última semana às lojas do Brasil com 250 mil cópias encomendadas. Um marco na faixa clássica no país. A Warner pretende reciclar o êxito da gravadora Decca/Polygram, que lançou em 1990 o CD "Carreras, Domingo e Pavarotti In Concert", com o registro do concerto de abertura da Copa 90 nas termas de Caracalla em Roma, em 7 de julho daquele ano. O CD de Caracalla vendeu 10 milhões de cópias, recorde na história do disco de música erudita, e consolidou a fórmula do concerto lírico para ajuntamentos. Carreras, Domingo e Pavarotti cantaram para um público real de 6.500 pessoas e virtual de 1 bilhão. O espetáculo foi transmitido via satélite para todos os continentes. A ária "Nessun Dorma", tirada da ópera "Turandot", do compositor italiano Giacomo Puccini (1858-1924), virou hit pop. Para fazer frente à concorrência da Warner, a Polygram relança o disco em caixa de luxo, com um álbum suplementar de fotografias coloridas da ocasião. Seria ocioso julgar o valor artístico dos lançamentos. São festivais do lugar-comum. Cada tenor quer urrar e sorrir mais que os dois outros. Carreras é o idílio catalão. Domingo, um Otelo em tempo real. Pavarotti, o rouxinol milanês. O repertório vai do óbvio ao ululante. Compreende árias de ópera e "pot-pourris". As orquestras são medianas. A do Maggio Musicale Fiorentino se sai melhor que a Filarmônica de Los Angeles. Talvez porque a atmosfera de Caracalla tenha sido mais calorosa que a do Dodger Stadium. Os aplausos de 94 soam gélidos. Há uma boa dose de segunda mão no segundo show. Não que o repertório tenha sido o mesmo. Houve inovações. Em Caracalla, Carreras canta "Granada". No Dodger, Domingo se encarrega da canção, economizando seis segundos em relação ao tempo utilizado por Carreras (três minutos e 41 segundos). Pavarotti passa por um processo de decadência vocal e redução de velocidade. Suas duas interpretações de "Nessun Dorma" têm diferença de 18 segundos de tempo e um abismo de timbre. A de Roma tinha três minutos e seis segundos. A nova, três minutos e 24 segundos. Em Los Angeles, Pavarotti parece o garnizé milanês, tanto esganiça e perde o ritmo. Os tenores não deixam de assumir uma atitude renovadora e até corajosa na segunda versão, ao substituirem "O Sole Mio" por "Funicul, Funiculà". Só assim a turba pode ter acesso à nova informação sobre Nápoles e arredores. O trio tem uma enorme preocupação pedagógica. Basta ouvir como pinça ápices de óperas para justapô-los a standards de Hollywood. No transplante não há rejeição, apenas sorrisos. A consequência da tolerância geral a esse tipo de produto é uma só: o trio mata a ópera e mostra o "pot-pourri". Promove cerimônias de tortura dos originais feitas de encomenda para a volúpia das multidões surdas e rancorosas. Os tenores mostram-na despida de profundidade, enredo, poesia e forma. Ora um "La Dona È Mobile", ora um "O Sole Mio" com agudos em conjunto ralentados até o êxtase do ouvido mouco. A essência da nova arte está no bis, o vedetismo em sua manifestação extremada. O trio chega à incrível descoberta: picadinho de ópera vende mais que ópera. Disco: The 3 Tenors Lançamento: Warner Disco: Carreras, Domingo & Pavarotti In Concert Lançamento: Decca/Polugram Quanto: R$ 20,00 (o CD, em média) Texto Anterior: "Sábado" abre Mostra Banco Nacional Próximo Texto: Jordi Savall leva música histórica à primazia Índice |
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