São Paulo, sexta-feira, 9 de setembro de 1994
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Sem Congresso

JANIO DE FREITAS

Não há diferença maior entre o atual sistema de governar por medidas provisórias sucessivamente reeditadas e o sistema de decretos do regime militar brasileiro e dos regimes autoritários em geral.
Daqui a precisamente um mês, completa-se um ano que o Congresso está paralisado por vontade própria. Se alguém propusesse o seu fechamento, o que é que se responderia, além do vago "é preferível um mau Congresso aberto do que o ter fechado". Argumento hoje tão anêmico, que exigiria prodígios de esforço para enfrentar a demonstração de que o Congresso não está exatamente aberto, já que não funciona, embora não esteja fechado.
Em setembro ainda não há Orçamento aprovado para este ano. O Congresso ainda não o votou. É verdade que parte do atraso foi provocado deliberadamente pela equipe econômica. O então ministro Fernando Henrique Cardoso só entregou o projeto de Orçamento ao Congresso, que o devia votar até 31 de dezembro, 48 horas antes do prazo. Depois, retirou-se duas vezes para alterações, sem outra finalidade verdadeira senão a de provocar mais atraso.
Sem Orçamento aprovado, a equipe ficou munida de um pretexto para reter verbas esperadas pela Saúde, pela Educação, Transportes e, secundariamente, demais ministérios. Na prática não precisaria do pretexto, porque o Orçamento apenas autoriza gastos, fixando limites para cada finalidade. À maneira do que praticou em 93, a Fazenda tem liberdade de não fazer as liberações previstas. Dos US$ 12 bilhões orçamentários para a Saúde, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso deixou de liberar 40%. Mas o pretexto do Orçamento não aprovado era, e tem sido, de utilidade política para a Fazenda, por deslocar a escassez de verbas para a responsabilidade do Congresso.
A manobra da Fazenda não justifica, porém, o fato sem precedentes e denunciador da desordem do regime vigente, de até esta altura do ano o país não estar dotado de Orçamento. Os poderes são independentes, cada qual com seus deveres, e entre estes está o uso dos amplos instrumentos do Congresso para exigir do governo e para cumprir ele próprio as prescrições da Constituição. Isso não aconteceu.
Não aconteceu porque PSDB, PFL, PMDB, PPR, PP e outros menores, mas de linhas semelhantes, conluiaram-se com a equipe econômica para protelar a tramitação do Orçamento, já a partir da comissão técnica incumbida de receber e selecionar as propostas de emendas.
Mais recentemente foi proposta a ordinarice de aprovar o Orçamento tal como veio do governo, sem passar pela revisão parlamentar. Nem esta providência rasteira foi adotada, porque a equipe econômica prefere conduzir o Plano Real sem o Orçamento que a Constituição exige.
Estão aí no noticiário o desespero de setores da Educação e da Saúde, por falta de verba, e a discussão sobre a constitucionalidade, ou não, de mais uma medida provisória para liberar alguns recursos. E os parlamentares do PSDB, PFL, PMDB, PPR, PP e de outros menores, mas de mesma linha, pedindo votos.
O convidado
Quem já leu, não perderá em reler. Quem não leu, não deve perder a resposta de Fernando Henrique Cardoso quando indagado sobre o ofício de Alexis Stepanenko, aquele em que o chama de "nosso candidato" e consulta o presidente Itamar Franco sobre a data para a inauguração de um porto com a presença do candidato:
"Não sei de nada. Sou senador da República e recebo muitos convites".
Não me lembro de nada parecido, nem nos tempos em que Stanislaw Ponte Preta organizava o Febeapá.

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