São Paulo, sexta-feira, 9 de setembro de 1994
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Aiatolás de bico grande

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A intelectualidade tucana perdeu completamente o rumo, em seu afã de ganhar a eleição. O artigo de José Augusto Guilhon Albuquerque publicado ontem nesta Folha parece o equivalente impresso das parabólicas confissões de Rubens Ricupero.
Escreve o tucano: "Uma autoridade monetária que tenha 'escrúpulos' em divulgar expectativas reais de inflação baixa, porque antes não divulgou expectativas duvidosas de inflação alta, não tem condições morais de exercer o poder".
Meu Deus do céu, é a apologia da falta de escrúpulos. Ao se referir a "expectativas duvidosas de inflação alta", Guilhon está falando do IPC-r que nem é expectativa nem era duvidoso.
Foi criado pelo governo para medir a inflação no bojo do plano que virou o Corão para os aiatolás tupiniquins. Se ainda defendesse uma explicação didática a respeito das características de cada índice, vá lá. Mas aceitar a manipulação de informações é revelador.
Como é revelador o perdão rápido a Ricupero, apenas por ter pedido desculpas. Fico imaginando se tivesse sido Delfim Netto e não Ricupero o autor das parabólicas confissões.
Seria perdoado? Ou já estariam amontoando toras de madeira para erguer a pira em que se incinerariam as gordas carnes de Delfim? Não escaparia nem que fizesse a penitência de ir, ajoelhado no milho, da Catedral da Sé à Cidade Universitária.
Da mesma forma que o deslize eletrônico não anula qualidades anteriores de Ricupero, o ato público de contrição não basta para anular o deslize.
Pergunto: quantos funcionários do setor privado seriam tão facilmente perdoados apenas por eventualmente confessarem a prática de uma falta grave?
Eu fico com o Cony, que, em sua coluna de ontem, mostrou quantas perguntas Ricupero deveria responder antes de poder merecer a indulgência plena.
Torcer por algum candidato é justo e até necessário. Mas não dá a ninguém o direito de se permitir substituir a razão pela paixão. Menos ainda a intelectuais que não faz tanto tempo assim estavam nas passeatas pela ética na política.

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