São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994 |
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Entre barbas, bigodes e preconceitos
MARILENE FELINTO
Nem tampouco será do mascarado sucesso do Plano Real –desmascarado, enfim, pela hipocrisia do ex-ministro Ricupero– a culpa pela queda de Lula. O maior prejuízo à candidatura petista é mesmo obra do preconceito, tanto o espontâneo quanto o estimulado. O preconceito espontâneo se manifesta no medo que o eleitor confessa ter da "falta de estudo" de Lula. O preconceito estimulado é a exploração desse medo –é onde se agarram os articuladores da campanha henriquista. O mais desmascarado preconceito de classe –onde se agarra certo tipo de simpatizante henriquista, como o cineasta Arnaldo Jabor, que não vacilou em propagar que "nessa eleição, temos duas opções: votar em Jean-Paul Sartre ou escolher um encanador". Não é a Lula nem ao PT que Arnaldo Jabor e suas comadres (Ruth Escobar, Regina Duarte, Lygia Fagundes Telles e companhia ilimitada) devem pedir desculpas: é ao povo brasileiro, pela vergonhosa (senão criminosa) incitação ao preconceito. É muito fácil, aliás –para não dizer que beira a leviandade–, estar do outro lado desta moeda (ser branco e rico) e dizer que o preconceito está mais na mentalidade da vítima do que na do ofensor. Há quem sempre faça o comentário nada infundado: "Imagine, então, se Lula fosse negro". Pois não é, nem seria. Se fosse negro ou mulato, dificilmente estaria hoje na disputa. Cabe lembrar ainda que associam uma possível vitória petista a um misterioso processo de "africanização" do Brasil. Preconceito mais explícito, impossível, especialmente em tempos de horrorosa ruandização da África. O tamanho do preconceito brasileiro desenha-se na polarização Cardoso-Lula, muito mais do que no confronto Collor-Lula, porque Collor não era nenhum ilustrado, era um grosso bronco. Mas há ainda um terceiro preconceito a perseguir o PT, o preconceito feminino –já que falamos de algumas delas, Escobar, Duarte etc., que me fazem lembrar, também aliás, o constrangedor apoio público de Marília Pera a Fernando Collor. Naquela época, o que mais me impressionou foi ouvir Pera dizer, em entrevista a Marília Gabriela na televisão, que é preciso acabar com "essa tendência para a favela" que o brasileiro tem –como se favela fosse questão de opção. A sensibilidade dessas atrizes tem se revelado caso para estudo. Deviam voltar à fotonovela, onde ficassem de boca calada para não entrar (nem sair) mosca. Mas eu falava do preconceito feminino, de que o PT é também a primeira vítima –por pura ingenuidade, por falta de traquejo no mar de sordidez das campanhas eleitorais e sua mídia truculenta. Trata-se do preconceito contra barbas e bigodes. Lula, Mercadante, Zé Dirceu, Olívio Dutra, Meneguelli – tantas barbas e bigodes são um descuido petista. Barba e bigode são elementos antipropaganda. Formam carranca, escondem, camuflam o produto a ser vendido. As caras lisas dos henriquistas (nenhum deles, Fernando Henrique, Serra ou Covas, tem barba ou bigode) podem parecer mais confiáveis, porque sem o véu, a máscara da barba. É claro que barba não molda caráter, basta ver a cara lisa de Collor. Mas está provado que imagem ganha eleição. A maioria das mulheres não gosta de barba. Está claro também que o bigode dos petistas liga-os imediatamente à figura dos homens do Oriente Médio, reforçando a imagem de "xiita" radical atribuída ao partido. Há também a desconfiança de que, conforme diz o especialista em estudos masculinos norte-americano Mick Cooper, em muitos casos a barba seria uma "máscara" que protegeria os homens da desvantagem de um rosto feio. O PT precisa deixar de ser tonto (ainda que a figura do antipolítico possa ser também um mérito dos candidatos petistas). Mas, afinal, são tempos de selvageria. Jabor sai dessa com a imagem de "intelectual polêmico", enquanto Lula é capaz de perder a eleição por causa das mulheres que não o identificam com a cara imberbe do mocinho da novela das oito. Texto Anterior: Tímido, Maciel só aperta a mão das eleitoras Próximo Texto: Sobre sabedoria, demagogia e inveja Índice |
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