São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994 |
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Sobre sabedoria, demagogia e inveja
COSETTE ALVES
Gosto muito da França e, se coloco os franceses aqui nesta nossa discussão brasileira, é porque acho que este é um bom exemplo do que é a inveja. O candidato Lula é vítima de preconceito? Ou não vai bem nas pesquisas por causa de seu discurso? Os homens são invejosos. As sociedades são invejosas. Admira o próximo, quer o seu reconhecimento e o inveja. Quando esta inveja recíproca não encontra um bode expiatório, explode a violência. Olhem o Brasil. Não se pode deixar de sofrer, perder o sono e ficar horrorizado com a fome, a miséria e as injustiças no país. Mas quando se roubam Rolex e assaltam-se carros estrangeiros, não é a violência do Jean Valjean que rouba a maçã para não morrer de fome. Não é a necessidade a mãe da violência. É a inveja. Com o real a inveja encontrou uma saída externa. Recuperou-se nestes dois meses uma instituição indispensável a qualquer sociedade –a moeda. Indispensável porque atrai para si mesma a inveja. Em vez do Rolex do próximo, nasce a esperança de poder comprar um Rolex para si. Consequência –o candidato do discurso escuro, contra muitas coisas, irado com razão sobre a injustiça e a violência da sociedade brasileira, com propostas contra tudo mas sem propostas claras a favor de nada –cai nas pesquisas. Será que é preconceito contra um torneiro mecânico, líder sindical bem-sucedido, que não fala a língua e a gramática dos donos do poder? Ou será que a estabilidade da moeda exorcizou a inveja? Os dois candidatos mais fortes representam uma renovação da classe política brasileira. Desgastada pelo insucesso, corrupção e incapacidade de mudar, ou capacidade de impedir a mudança. Mas os dois são novos. Um, da nova classe de trabalhadores que floresceu no Brasil. Outro, da universidade perseguida nos anos difíceis do governo militar. Um, intelectual e crítico. Outro, trabalhador e crítico. Duas visões críticas do Brasil. Um, crítico contra tudo, voz rouca, olhar cheio de emoção e sofrimento, sabe o que está errado, mas nem sempre consegue explicar convincentemente como fazer certo. O outro, crítico e pedagógico, voz serena e sorriso aberto, a partir das críticas, constrói idéias e programas generosos e de reforma. Um candidato conclama seus ouvintes a torcer contra o Plano Real, qualificando-o como enganador por ser um plano feito contra os pobres e para favorecer os ricos. E eleitoreiro, porque só ficou pronto antes das eleições. Estelionato eleitoral,imaginem só! Segundo candidatos e alguns brilhantes economistas da direita. Inveja à direita e à esquerda. Já que falei de franceses e americanos, conto agora uma fábula chinesa. "Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsé, estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. (O presidente Itamar pediu um plano.) Chuang-Tsé disse que precisava de cinco anos e uma casa com doze empregados (o ministro Fernando Henrique pediu tempo e equipe). Passados cinco anos, Chuang-Tsé não havia sequer começado o desenho. 'Preciso de outros cinco anos.' O rei concordou. Ao completar o décimo ano, Chuang-Tsé pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo. O mais perfeito caranguejo que jamais se viu." O Plano Real é ruim porque demorou ou é um bom plano exatamente porque demorou? Sabedoria ou demagogia? O outro candidato apaixona o Brasil pela simplicidade, candura e humildade com que apresenta um primeiro passo para o país. Que estava atormentado até há pouco pela inveja –sem projeto, sem moeda, com inflação de 45% ao mês. O candidato Fernando Henrique vai muito bem nas pesquisas. Será que isto é preconceito? Ou será que o Brasil começa a acreditar em si mesmo, com esperança, um sonho que pode virar realidade e, apaixonado pela sua nova moeda, está mais feliz e menos invejoso? Texto Anterior: Entre barbas, bigodes e preconceitos Próximo Texto: Covas só decide sobre a Caixa após eleição Índice |
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