São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Agricultor "vota no escuro"

XICO SÁ
DO ENVIADO ESPECIAL

Em entrevista à Folha, Lino Manoel de Souza, pai de três filhos (dois vivos, um morto), falou sobre o seu mundo "escondido" e o seu "voto no escuro".
É desta forma que esse trabalhador rural pernambucano define o lugar onde mora e o modo como votará no dia 3 de outubro.
Mesmo diante de muita insistência, Souza não conseguiu sequer lembrar um único nome de candidato nestas eleições. Sem rádio e TV, não assistiu a nenhum programa do horário gratuito. Nem sentiu falta deles.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha - O sr. já decidiu em quem vai votar?
Souza - Não.
Folha - Sabe o nome dos candidatos à Presidência?
Souza - Não sei não senhor. No dia é que o rapaz passa aqui e leva a gente no caminhão e lá na cidade (Cabrobó) ensina como se faz a coisa. Todo ano de eleição é desse jeito.
Folha - Pelo menos o nome de um candidato, vê se o sr. consegue se lembrar.
Souza - Sei não senhor. O rapaz diz pra gente só no dia. Ele ensina direitinho.
Folha - Pelo menos um candidato...
Souza - Não, não sei. Eu voto meio no escuro. Chego lá e pronto, resolvo, sem precisar pensar demais.
Nem os candidatos aqui da região?
Souza - Agora eu não me lembro direito.
Folha - Não passa nenhum candidato aqui, para fazer campanha?
Souza - Não senhor, a gente mora meio escondido. É difícil carro entrar por aqui. Esse ano não passou nenhum. Agora também mora pouca gente.
Folha - Quem é esse rapaz que o sr. disse que o pegaria aqui com um caminhão?
Souza - É um rapaz aí que trabalha para os políticos de Cabrobó, eu não sei o nome dele.
Folha - O sr. vota em quem ele manda votar?
Souza - É, ele ensina a gente como votar, pois a gente não sabe ler. Eles dão o almoço, na cidade, com carne. Quer dizer, sempre tem carne. A não ser que dessa vez falte, mas acho que não. Não é possível que falte.
Tomara que não falte, pois carne anda difícil por aqui. Acho que o rapaz vai arrumar almoço com carne. Só faltava não ter carne dessa vez. Aí vai ser de lascar.
Folha - Não dá pra comprar carne? Quanto o sr. ganha por mês?
Souza - Não ganho nada.
Folha - Como? Nada mesmo? Souza - É. Nada. Peguei pouco em dinheiro na minha vida. Como o que planto. Esse ano até que deu muito feijão, oito sacos (sacas de cerca de 60 kg).
Pior é quando não chove, mas esse ano choveu e até que as coisas estão muito boas.

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