São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Os caçulas regem a história do homem

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

As principais mudanças políticas, econômicas, científicas, filosóficas, religiosas e sociais dos últimos 500 anos se devem à rivalidade entre os primogênitos e seus irmãos mais novos.
A tese soaria como extravagância desprezível se não fosse defendida por um respeitado historiador associado ao prestigioso MIT (Massaschusetts Institute of Technology) depois de 24 anos de trabalho obsessivo.
Frank Sulloway, 47, caçula, solteiro, doutor em História e Ciência pela Universidade de Harvard, justifica suas afirmações com impressionante base de dados biográficos de 6.000 pessoas envolvidas nos 30 mais importantes movimentos revolucionários ocorridos no mundo desde 1500 (como a Reforma, a Teoria da Evolução, a Revolução Francesa, o Iluminismo, a Revolução Russa, a Independência dos EUA).
Sulloway, que deu entrevista exclusiva à Folha por telefone na semana passada, atribuiu 108 variáveis a cada uma dessas personalidades: idade nos anos da revolução, sexo, classe social, atitude política dominante (liberal ou conservador), teimosia, timidez, capacidade de aceitar riscos, grau de disputa com os pais e assim por diante.
Manipulando as 300 mil entradas possíveis dessa base de dados, Sulloway concluiu que a ordem de nascimento é, na maioria absoluta dos casos, o que melhor prevê o comportamento individual em face de revoluções.
Os filhos mais velhos tendem a apoiar o status quo, e os mais novos têm a mente mais aberta, "nasceram para se rebelar", aceitam riscos, contestam o conhecimento dominante.
Sulloway disse à Folha que seu interesse pelo assunto teve início em 1968, quando ele refez a viagem de Charles Darwin pela América do Sul (1831- 1836) para produzir filmes didáticos.
"Darwin levou toda sua evidência para Londres, onde a dividiu com 40 outros cientistas. Todos tiveram acesso à mesmíssima informação. Só Darwin a interpretou de maneira revolucionária. Comecei a intuir que o radicalismo é uma questão de personalidade e a tentar descobrir qual a razão para a diferença", explica Sulloway.
Ao investigar a vida dos colegas de Darwin, ele constatou que a oposição mais ferrenha ao evolucionismo vinha de primogênitos: 60% dos mais ardentes adversários de Darwin eram primogênitos.
"Aí, eu resolvi fazer ciência, coisa que os historiadores em geral se recusam a fazer: fui testar minha hipótese em outras situações."
A consistência, segundo ele, é impressionante. No caso da Revolução Francesa, por exemplo, os dados estavam todos lá à disposição: os votos de cada um dos 893 integrantes da Convenção de 1792 e os dados biográficos de todos eles.
Sulloway afirma que a ordem de nascimento permite previões muito melhores do que a classe social para explicar os votos dos convencionais em relação à fase do terror na Revolução Francesa.
"O primogênito é mais cabeça-dura, mais teimoso, e tende a impor sua vontade aos irmãos mais novos. Isso se transfere para o plano social: os primogênitos em geral defendem mais a violência do que os caçulas. Foi assim na Revolução Francesa: 80% dos integrantes do grupo de Robespierre e Saint-Just eram primogênitos", diz Sulloway.
Não há brasileiros entre as 6.000 pessoas estudadas por ele.
Mas está lá o naturalista Fritz Muller (1821-1897), que viveu no Brasil durante 45 anos, desde que foi expulso da Alemanha em 1852 por ter participado da Revolução de 1848.
Muller trabalhou no Museu Nacional do Rio de Janeiro e foi um dos mais ardorosos defensores de Darwin na comunidade científica internacional.
"Ele era o filho mais velho. Mas quando tinha cinco anos, os primos, que haviam ficado órfãos, foram morar com ele, que passou a ser o caçula. Coisa parecida aconteceu com Thomas Jefferson", diz Sulloway.
É claro que Sulloway não defende a ordem de idade como fator infalível de determinação de reacionarismo ou radicalismo revolucionário.
"Às vezes, outras variáveis podem ser mais importantes: excessiva timidez de caráter, tipo de relacionamento com os pais", argumenta.
Ele especula que pode haver uma programação genética que predisponha os primogênitos ao conservadorismo e os caçulas ao revolucionarismo.
"No passado, os pais alimentavam os filhos mais velhos primeiro. Eles eram os mais aptos para a sobrevivência. Isso os faz até hoje mais propensos a se identificar com a autoridade paterna. Os caçulas sempre tiveram menos a perder e podem se dar ao luxo de aceitar maiores riscos".
Livro

O trabalho de Sulloway está pronto para publicação.
Ele já recebeu diversas ofertas de editoras mas ainda não se decidiu por uma.
Seu livro anterior, "Freud, Biologist of the Mind" ("Freud, o Biólogo da Mente"), foi editado em 1979 e vendeu 50 mil cópias, uma boa tiragem para trabalhos científicos.
O atual vai se chamar "Born to Rebel" (Nascidos para a Rebeldia). Ele espera que venda mais do que o de Freud.
Sulloway, como bom caçula, aceita grandes riscos.
"Quando terminar a pesquisa, estarei sem emprego, sem aposentadoria, sem casa, sem carro. Tudo o que eu ganhei nesses 24 anos, usei para terminar este trabalho".
O próximo já está a caminho: Sulloway vai contestar os métodos de pesquisa histórica.
"Quase todas as teses interessantes em história são sobre grupos grandes de pessoas, não sobre indivíduos. Assim, é fácil comprovar, com base em estatísticas, as teorias existentes. No entanto, quase ninguém se dispõe a isso", afirma ele.
"Nenhum historiador entregaria sua vida nas mãos de um médico que não se valesse do método científico. Mas o mundo confia em historiadores que se recusam a ser cientistas. Deve ser porque ninguém morre em decorrência de má história", argumenta.

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