São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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África do Sul enfrenta onda de crimes

FERNANDO ROSSETTI
DE JOHANNESBURGO

A África do Sul vive um momento paradoxal: enquanto a violência política está nos níveis mais baixos já registrados, a criminalidade bate recordes a cada dia.
O relatório que será divulgado esta semana pelo Comitê de Direitos Humanos da África do Sul (CDH) diz que ocorreram 105 mortes por motivos políticos em agosto –contra 562 no mesmo mês de um ano atrás.
"É o menor índice registrado desde fevereiro de 1992", afirmou à Folha o diretor nacional do CDH, Patrick Kelly. Esse número é também o menor desde a criação do CDH, em 1988.
Não houve um único registro de assassinato político de pessoas brancas no mês passado.
Mas a criminalidade está chegando a um nível nunca antes registrado: em 93, uma pessoa foi morta por hora só no Transvaal, região onde fica Johannesburgo.
Este ano, 173 policiais já foram mortos. "Mate um policial por dia" era uma palavra-de-ordem dos negros durante o apartheid.
Em cinco anos, os assassinatos não-políticos aumentaram 48%.
Com os dados registrados em 93, a África do Sul ganhou o título de "campeã mundial de assassinatos": 97 por 100 mil habitantes, dez vezes mais do que nos EUA. Foram mortas, por motivos políticos ou não, 20.363 pessoas.
No centro de Johannesburgo, as lojas têm seguranças particulares armados com metralhadoras. Há mercearias que só atendem através de grades.
Hillbrow, que já foi um bairro central "in" na noite da cidade, está perdendo suas casas noturnas. Só na primeira semana de agosto, a polícia registrou 13 estupros.
Eleições satisfatórias

Há diversas explicações para essa inversão na motivação dos assassinatos na África do Sul. "Os resultados das eleições foram satisfatórios para a maioria dos partidos", diz o diretor do Comitê de Direitos Humanos.
Durante o regime do apartheid, que definia locais de moradia diferenciados para brancos e negros, a população descendente de africanos se organizou em partidos dos quais alguns tinham entre suas estratégias os assassinatos políticos.
Os alvos eram tanto brancos que sustentavam o apartheid como negros de outros partidos. Pouco antes de Nelson Mandela ser libertado da prisão, em 1990, o CDH chegou a registrar mais de 700 assassinatos políticos em um mês.
Em março, quando o Inkatha –partido que reúne a maioria negra zulu– ainda não havia aderido ao processo eleitoral, 552 pessoas foram mortas. Em maio, após as eleições, morreram 195.
O CNA (Congresso Nacional Africano), partido do presidente Mandela, eleito em abril, reúne mais negros xhosa, inimigos históricos dos zulus.
"Durante o apartheid, o próprio governo e a Terceira Força (grupos para exterminar negros, formados por brancos ligados à polícia) mataram muita gente", afirma Kelly.
"Isso diminuiu o respeito dos negros pela vida", diz. "Além disso, há um enorme fosso econômico entre brancos e negros."
Com a mudança na legislação, a partir de 1990, muitos negros começaram a se mudar para regiões mais centrais, antes reservadas aos brancos, como Hillbrow.
Para Kelly, alguns dos membros de organizações que antes cometiam assassinatos políticos estão hoje em "sindicatos de crime".
"Não dá para prever quando nem onde vai haver um assalto ou estupro", diz o porta-voz da polícia sul-africana, Jan Combrinck.
A solução tem sido tentar envolver as comunidades em programas anticrime. "Está funcionando", diz Combrinck.
Em Riverlea, um dos bairros negros da periferia de Johannesburgo, foram registrados 2.907 crimes em 1993, contra 3.342 em 1992.

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