São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Cobertor curto e eleitoreiro

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - A equipe econômica, quase toda ela remanescente do período Fernando Henrique Cardoso, está roubando um dos cinco dedos da mão que simboliza a campanha de seu ex-chefe.
É o dedo da agricultura. Afinal, segurar o financiamento da safra agrícola apenas para evitar que estourem as metas de emissão monetária previstas no Plano Real é o mesmo que plantar um bomba de tempo.
O plantio agrícola não é como a compra de um carro novo, por exemplo, que pode ser deixada para amanhã, para o mês que vem ou até para o ano que vem. Ou se faz numa determinada época ou a colheita jamais será a mesma.
Ou seja, corre-se o risco, se o atraso na liberação das verbas persistir, de o próximo presidente ser obrigado a enfrentar os problemas decorrentes de uma safra inferior à prevista ou à necessária.
O que demonstra duas coisas: 1) o cobertor do Plano Real é curto demais; 2) o uso eleitoreiro do plano fica cada vez mais evidente.
Se o governo liberasse o financiamento da safra e estourasse a meta de emissão, poderia estar gerando inflação desde já, o que prejudicaria a candidatura FHC. Então, aplica-se esse passa-moleque, à espera de que o período eleitoral se encerre.
O cobertor curto aparece no fato de que uma de duas necessidades não pode ser atendida: ou há recursos para a safra agrícola e rompe-se a meta de emissão monetária ou se respeita a meta e quebra-se a safra, com efeitos na inflação lá adiante, na hora em que faltar algum produto agrícola não financiado ou mal financiado.
Bem feitas as contas, o que se tem de real é um engessamento crescente da economia, na forma de contenção de verbas para a agricultura, de congelamento das tarifas públicas, de manutenção de um regime cambial insustentável a médio prazo, de congelamento de reajustes salariais a pretexto de que os reajustes são livres, desde que não repassados para os preços. Para não mencionar a inexistência do Orçamento-94, até hoje não votado. Tudo isso em uma economia supostamente de livre-mercado.

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