São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Patriotas profissionais

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Classe injustiçada, a dos banqueiros. Da noite para o dia, por conta do Plano Real, eles diminuíram consideravelmente seus lucros; mesmo assim apóiam o plano, estão molhando a camisa e enxugando o bolso para eleger o candidato do plano.
O "Jornal do Brasil" publicou na edição de quinta-feira passada: 30% dos lucros do sistema bancário são provenientes do "floating" –ou seja, do ganho das agências com a aplicação do dinheiro dos clientes e do pagamento das contas. Com a queda da inflação nas últimas semanas, os lucros diminuíram; mesmo assim, o primeiro semestre de 1994, segundo a FGV, deu uma lucratividade de 271%.
Ninguém nega o sagrado direito do lucro –sobretudo para aqueles que botam a mão na massa. A inflação garantia o melhor negócio do mundo: o banco recebia contas, aplicava o dinheiro recebido e, quando repassava esse mesmo dinheiro, tinha engordado a massa, aplicando-a na ciranda financeira.
Apesar disso, os banqueiros estão a favor do Plano Real. Unidos vencerão. Generosamente se despojam de uma fonte que garantia 30% dos lucros, mas tudo bem. É hora de sacrifícios para o bem geral. A classe mostra-se coesa e resignada ao sacrifício. Pátria, os banqueiros latejam em ti!
Para quem não é banqueiro –nem de bicho nem de banco mesmo–, desprendimento é meio suspeito. Que o Plano Real, aperfeiçoado pelo próximo governo, pode realmente acabar com a inflação, ninguém duvida. Até a Bolívia acabou com a inflação e, segundo consta, com um plano bem menos sofisticado do que o Real. A questão é que, como todos admitem, o Plano Real só acabará realmente com a inflação se for complementado com algumas reformas –que já foram sabiamente transferidas para o próximo governo.
Prevendo a hipótese, os banqueiros estão dispostos ao último sacrifício pelo amor à pátria: uniram-se em torno da candidatura oficial, só ela confiável, só ela capaz de "aperfeiçoar" o plano. Até bem pouco, os militares encarnavam o patriotismo profissional. Eram amadores. Profissionais, no duro, são os banqueiros.

Texto Anterior: Não mudou
Próximo Texto: A importância de reconhecer seus erros
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.