São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 1994
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Volta, Collor

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Para quem já cobriu incontáveis eleições do Primeiro ao Quarto Mundo, a campanha brasileira de 94 parece muito mais próxima da Guatemala do que da França ou da Espanha.
Começa pelos candidatos. Fernando Henrique Cardoso desandou a dizer barbaridades com insuspeitada cara-de-pau. Insuspeitada pelo menos para quem conservou uma certa ingenuidade, caso do tonto aqui.
Luiz Inácio Lula da Silva parece ter perdido sua melhor qualidade, o fino sensor para o humor do tal de povo. O erro na avaliação da reação popular ao real é desses que desqualificam um "líder de massas", como o designou FHC.
Mas o pior são os áulicos de parte a parte. De um lado, tenta-se crucificar até a filha do ex-ministro Rubens Ricupero, obrigada a trancar matrícula na faculdade. Só em El Salvador, no auge da guerra civil, a intolerância em relação aos pais transferia-se automaticamente para os filhos.
Do outro lado, tenta-se entronizar Ricupero no panteão dos heróis nacionais, como o fez ontem, por exemplo, Arnaldo Jabor nesta Folha. Um dos argumentos dessa corrente é o de que Ricupero teve um momento de sinceridade em meio a um mar de mentiras. Bobagem. Ricupero só foi sincero porque achava que sua sinceridade ficaria confinada aos ouvidos do repórter com quem conversava.
Outra linha de argumentação é o elogio ao fato de ter-se demitido rapidamente, quando o hábito das autoridades é agarrarem-se ao cargo.
Aí, é má-fé ou ingenuidade demais. Alguém acha mesmo que Ricupero se demitiria se não houvesse um punhado de fitas gravadas que permitiram reconstituir o que disse?
Menos mal que Renato Janine Ribeiro em seu impecável artigo de ontem na Folha repôs as coisas em seus devidos termos.
Fora isso, é tudo tão ridículo que dá até uma certa saudade de Fernando Collor. Por ser farsante profissional, dava à sua farsa uma qualidade que os farsantes amadores de hoje não conseguem alcançar, por mais que tentem.

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