São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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Dez idéias para a escola pública

CARLOS ESTEVAM MARTINS

Em dois artigos anteriores (Folha, 24/03 e 28/07), propusemos seis idéias para o debate sobre a escola pública em São Paulo. Hoje, concluindo a série, estamos fazendo mais quatro sugestões.
Sétima sugestão: redefinição das responsabilidades do governo federal.
São Paulo não recebe as mesmas atenções que o governo federal dispensa aos outros Estados da Federação. Por exemplo: temos 5 milhões e 170 mil crianças que, em princípio, deveriam receber cobertura de merenda escolar. No entanto, a União só financia 845 mil, deixando ao desabrigo mais de 4 milhões de crianças.
Outro exemplo: o governo federal utiliza recursos (em parte arrecadados em São Paulo) para combater desequilíbrios interestaduais. São Paulo, via de regra, não é beneficiado por essas políticas compensatórias.
É obrigado a exportar recursos ao mesmo tempo em que importa alunos de todo o país. O problema é nacional, mas a União fica de fora.
Mais um exemplo: a União contribui com irrisórios 4% das matrículas existentes no ensino superior público de São Paulo. O governo estadual arca com 58% e as prefeituras, com 38%. Em nenhum outro Estado a participação federal é tão insignificante.
Não se reivindica, porém, mero remanejamento de verbas. O que é preciso é redefinir, de um lado, as prioridades entre os quatro níveis de ensino; de outro, as responsabilidades de cada instância de governo, no que diz respeito ao financiamento e à execução das tarefas educacionais.
Como pensa o ex-ministro da Educação José Goldemberg, em vez de administrar um sistema próprio paralelo aos Estados e aos municípios e, por vezes, em competição com eles, melhor faria o governo federal se se dedicasse à coordenação da política educacional, eliminando superposições e distorções (entre esferas de governo e níveis de ensino).
Oitava sugestão: reorganização das práticas e estruturas administrativas.
A baixa eficiência precisa ser combatida. Faltam planejamento de médio e longo prazos, flexibilidade administrativa e financeira, instrumentos eficazes de informação e controle. Urge redefinir as estruturas hierárquicas para que o poder de decidir, se torne mais eficaz.
A atual estrutura administrativa precisa diminuir de tamanho, para crescer em eficiência. O projeto de reforma divulgado pelo governo (D.O.E., 25/03/94) contempla uma economia de muitos milhões de dólares por ano em despesas de custeio, além dos ganhos de produtividade no desempenho dos funcionários.
E sem contar o fato de que as mudanças devolveriam às salas de aula e a outras atividades do magistério centenas de professores, diretores e supervisores de ensino –contratados para educar, não para suprir os quadros da burocracia.
Nona sugestão: autonomia das escolas com responsabilidade e participação.
Em substituição ao sistema atual, arcaico e despersonalizado, é preciso criar condições que tornem as escolas mais autônomas, do ponto de vista pedagógico, financeiro e administrativo.
Como contrapartida, deve-se implantar novos sistemas de acompanhamento e controle das atividades escolares: a auto-avaliação (na forma de jornadas pedagógicas) e a avaliação externa, conduzida por entidade independente. Tais medidas não têm caráter repressivo. Visam tão-somente fornecer subsídios para o planejamento educacional, permitindo que cada escola possa se comparar com as demais e consigo mesma, ao longo do tempo.
Não basta, porém, ter liberdade e ser responsável. A cidadania requer ainda a participação de todos: alunos, famílias, professores e funcionários, tanto nos conselhos de escola quanto nas comissões distritais e municipais de educação. A participação garante, ademais, o uso adequado dos recursos públicos.
Décima sugestão: remontagem do sistema escolar.
Está na ordem do dia rever a grade curricular, bem como padronizar o material didático e racionalizar os horários e o funcionamento das escolas. Não será melhor fazer menos e bem feito do que o contrário?
Por que não reduzir o total de disciplinas ou o número de anos em que algumas delas são ministradas, concentrando esforços nos conteúdos essenciais? Por que não enxugar as atividades extra-curriculares?
Construir escolas maiores parece mais indicado do que dispersar esforços e multiplicar custos, instalando escolas pequenas e, por isso mesmo, mais caras. O esforço de racionalização deve contemplar ainda a concentração de classes de primeira a quarta séries em um prédio e, de quinta a oitava, em outro.
As dez idéias sugeridas nesta série de artigos inspiram-se em uma preocupação central: o salário. Estamos todos de acordo quanto ao fato de que é preciso melhorar a remuneração dos servidores da escola pública.
Sabemos, inclusive, que, em São Paulo, isso é perfeitamente viável. Não existe, porém, consenso quanto aos meios: o que deve ser feito para que os salários aumentem?
As dez idéias propostas visam o uso mais adequado dos recursos materiais e humanos. Constituem, portanto, subsídios ao debate que a sociedade precisa empreender para superar os dissensos que a imobilizam e a impedem de enfrentar a questão salarial, que ela própria define como fundamental.

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