São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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PT-PSDB, a concretização de um sonho

PAULO ANTHERO S. BARBOSA

Em todos os países, em algumas épocas, sobretudo em épocas de crise, aparece a idéia natural e óbvia de mobilizar os homens de bem –os mais esclarecidos, os mais generosos, os mais sensíveis às exigências do bem comum– para, juntos, fazerem prevalecer a sua visão de mundo sobre a visão geralmente egoísta, corrupta e amoral dos que detêm o poder.
Tais movimentos, de um modo geral, não prosperam, pois quase sempre lhes falta o suporte pragmático de uma estrutura política-organizacional que lhes dê o necessário embasamento doutrinário e o indispensável esquema operacional.
Por isso, não chegam a ultrapassar o nível de meras aspirações utópicas que, embora indispensáveis para a concretização de qualquer projeto que pretenda ultrapassar a mediocridade e a mesmice, não conseguem romper a reação prosaica, porém poderosa, dos donos do poder.
No entanto, por um conjunto fortuito de circunstâncias favoráveis, abriu-se de repente, no Brasil, a possibilidade de viabilizar a utopia e de operacionalizar o sonho.
O impeachment do presidente eleito pelas chamadas elites e a sucessão de escândalos político-econômicos –com a evidenciação de que aquelas elites eram frequentemente beneficiárias e sempre coniventes ou omissas– conseguiu colocá-las, pela primeira vez, na defensiva.
A tal ponto que se viram obrigadas a não apresentar candidato próprio para presidente –e exporem-se ao risco de apoiar um candidato que, até há pouco tempo, execravam como perigoso comunista–, pois não tinham como enfrentar um outro "comunista", tido como mais perigoso e que, no entanto, liderava folgadamente as pesquisas.
Por tudo isso, no início da atual campanha eleitoral, alguns empresários do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) patrocinaram um movimento político da maior relevância: propunha-se que o PSDB não apresentasse candidato e apoiasse o PT na disputa presidencial, unindo-se em torno da candidatura Lula, que, naquela época, se apresentava como imbatível.
Os argumentos que fundamentavam a proposta eram:
– a afinidade ideológica e doutrinária dos dois partidos;
– a rigorosa postura ética dos seus representantes;
– a necessidade de compor uma frente ética para confrontar a frente viciosa dos eternos donos do país.
Todos os argumentos e todas as razões que embasavam a proposta óbvia de que o PSDB apoiasse o PT são hoje válidos para que se proponha que o PT retire a sua candidatura à Presidência e apóie o candidato do PSDB, em troca de compromissos transparentemente negociados.
O único argumento que se pode tentar apresentar, contra a proposta, é o fato de que o PSDB já teria feito uma aliança espúria ao se associar justamente com os donos do poder, com os representantes da mais rançosa e retrógrada elite do país.
No entanto, é lícito admitir que o lado mais autêntico do PSDB, que acredito ser majoritário, não conseguiu ainda assimilar a burlesca aliança e deve estar se preparando para reagir –embora com poucas chances de sucesso– aos matreiríssimos esquemas que, certamente, lhes serão empurrados goela abaixo, como preço da transigência com o cinismo.
O apoio do PT daria, ao PSDB autêntico, a possibilidade de resgatar seu ideário e de fazer prevalecer a justeza de suas idéias sobre as escusas idéias dos aliados arrivistas e fisiológicos, que nada mais farão do que parasitá-lo.
É claro que tal gesto exigirá grandeza e desprendimento. Mas existem, no PT, políticos com visão de estadista. E certamente haverá, no PSDB, quem se sensibilize com a idéia de fazer uma aliança legítima com companheiros históricos, verdadeiros irmãos de árduas lutas e leais parceiros de duras conquistas.
Caberiam, nesta aliança, até mesmo os homens bons do próprio PFL. E todos juntos poderiam negociar os acordos necessários, acordos legítimos, com base no interesse público e que não precisariam ser tramados na reclusão dos gabinetes.
Falo talvez de utopias, talvez de sonhos. Pouco importa, pois me parece que o povo brasileiro conquistou o direito de concretizar um sonho: o de ter um governo realmente seu, eleito pelo voto apaixonado e franco, um voto sem reservas dado a uma frente realmente modernizante e ética, realmente comprometida com o interesse coletivo, realmente inconformada com a tragédia social, realmente disposta a priorizar os interesses legítimos da população sobre os dolosos interesses dos donos do país.

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