São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
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Bacalhoada

SÍLVIO LANCELLOTTI

O episódio William/Vasco/antidoping mais uma vez desmoraliza, ridiculariza o o futebol no Brasil. Parece inacreditável que o desrespeito do jogador e de seu clube a um regulamento receba, da grotesca CBF, apenas uma suspensão preventiva de 20 dias.
Ricardo Teixeira, o presidente da CBF, aliás também um genro da Fifa, é integrante oficializado do comitê executivo da entidade que comanda o futebol no mundo. Em tal condição, mesmo que indiretamente, participou dos procedimentos que, na Copa dos EUA, levaram à preventiva sem prazo de Diego Maradona.
Depois, dos procedimentos que impuseram, literalmente e injustamente, a cassação do argentino por 15 meses, uma decisão de provocar engulhos.
No entanto, num caso até muito mais grave, a CBF se acovarda e se omite. Não pretendo prejulgar o craque William. Ele pode não ter tomado nada que as leis do esporte proíbam. Também pode, simplesmente, não ter conseguido fazer o xixi de praxe. Num jogo, o atleta desperdiça os seus líquidos através da transpiração. De fato é difícil eliminar aquilo que já não possui.
Abandonar a sala de testes, porém, me parece um crime tão grave, ou mais, do que ingerir tolamente um produto de emagrecimento com efedrina –a substância que mutilou Maradona. Verdade que a CBF, por meio do seu Tribunal Especial, ainda pode ampliar a suspensão ao limite da lei, 360 dias. Por que também não puniu com preventiva o cartola Eurico Miranda, que arrancou o William da sala de testes, sob o pretexto de não perder um avião?
Surge fácil a resposta. Parafraseando o saudoso Otto Lara Rezende, os dirigentes são sempre solitários no departamento das cafonices. A Fifa sacrificou Maradona com a cumplicidade vergonhosa de Julio Grondona, da AFA. Agora, a CBF protege Miranda, o patrono da fuga de William. Como, convém lembrar, a CBF ignorou, sumariamente, as culpas da torcida do Vasco, em São Januário, contra o Santos.
Na Itália, a Sampdoria de Gênova está mandando os seus combates no campo neutro de Bologna, cerca de 300 km de distância, por causa da agressividade da sua torcida. No Brasil é necessário esperar que alguém morra para se culpar um clube. A ética e a moral exigem o enquadramento de William no artigo 152-E das Normas Orgânicas do Futebol Brasileiro. E exigem o enquadramento de Miranda no artigo 239 do pobre Código Disciplinar do Futebol Brasileiro. Exigem, apenas por descargo de consciência. Vai tudo terminar em bacalhoada.

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