São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
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Oxford discute identidade culinária

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE OXFORD

Cerca de cem participantes do mundo inteiro compareceram ao 10º Simpósio de Comida e Culinária de Oxford, que aconteceu entre os dias 9 e 11 últimos no Saint Anthony's College, na Universidade de Oxford (Inglaterra).
Todos os jornalistas de gastronomia da Inglaterra, escritores, críticos de restaurantes (Paul Levy, do "The Observer"), cronistas de revistas (Jeffrey Steingarten, da "Vogue") e editores, como a esplêndida Jill Norman (a meu ver, a melhor editora do mundo de livros de cozinha).
Os organizadores Alan Davidson e Theodore Zeldin presidiram as sessões principais. As reuniões menores, para discussão, tinham como mediadores figuras conhecidas do público europeu: Alice Rios (Espanha), Claudia Roden (Oriente Médio), Sami Zubaita (países muçulmanos), Rena Shalaman (Grécia) e mais e mais.
Alguns dos ensaios apresentados deram o que falar, outros fizeram rir. Exemplos: "Ascensão e Queda do Rei Arenque", "O Desaparecimento da Sexualidade na Confeitaria Monástica do Sul da Itália", "O Clube do Pudim e o Pudim Tradicional Inglês", "Comidas em Extinção: De Quem É a Culpa?", "O Destino do Rabo do Carneiro", "Morrendo de Fome no Supermercado", "A Cozinheira em Perigo". Acho que dá para ter uma idéia do teor das discussões!
A maioria dos ensaios queria refletir sobre a deterioração da qualidade dos ingredientes e as tradições perdidas. A oposição argumentava que isso era romantização do passado e atitude negativa quanto à mudança e o progresso. O "coup-de-foeidre" sobre os reacionários foi a pergunta: "Alguém pode imaginar a comida tradicional da Itália ou do Mediterrâneo sem o tomate?"
Os tradicionalistas não se deixaram abalar nem um pouco e retrucaram que o tempo do tomate já era. Até os anos 50, as coisas aconteciam, mas devagar. Agora, a velocidade das mudanças e a enormidade das áreas atingidas pela homogeneização da comida é de assustar. Sem falar na tendência de reduzir a variedade dos produtos e a urgência de apagar hábitos e paladares.
O objetivo de tudo isso seria a criação de um mercado de massa, com o controle de cada faceta da produção, do consumo, da distribuição, do marketing e da comunicação. O produtor tradicional, muito em breve, não aguentaria a luta contra os poderes econômicos, detentores de todo o poder de decisão.
Um ensaísta francês acusou a cozinha caseira e a alta cozinha de estarem mancomunadas encorajando o consumo de comida pré-cozida e congelada e fazendo ruir a delicada e complexa estrutura da comida francesa. Brigou-se ainda por causa da ocidentalização do paladar asiático e por causa da orientalização do paladar europeu!
Como poderia um país manter sua identidade culinária? Um primeiro passo seria o autoconhecimento. Aquele que quiser ser visto como possuidor de uma cultura gastronômica variada, de boa qualidade, tem que acreditar na sua cultura, ter orgulho dela, desenvolver identidade sem xenofobia e tentar passar para o mundo esta imagem (bandeiras que Laurent Suandeau já levanta no Brasil).
Mas melhor que as discussões foram as comidas apresentadas, a melhor parte do congresso, mas um assunto que fica para uma outra vez.

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