São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 1994
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Capital retorna à normalidade

CLÁUDIO JULIO TOGNOLLI
DO ENVIADO ESPECIAL

Ontem foi o primeiro dia, depois de 72 horas, que a cidade de Porto Príncipe, capital do país, voltou às suas atividades normais.
Mas continuam sendo vistas filas de haitianos famintos, que tentam trocar a moeda nacional, os gourdes, por dólares americanos.
A melhor imagem do dia foi certamente proporcionada por um ferreiro, Antoine Depuis, que trocou sua atividade por outra no mínimo inusitada: pega latas de óleo vazias e as transforma em aviões Galaxy, que desde segunda-feira sobrevoam a capital.
"Já vendi meia-dúzia a jornalistas e ganhei US$ 300", diz Depuis, que trabalha a 50 metros da Embaixada Brasileira.
Ontem apareceram em Porto Príncipe faixas azuis e vermelhas, onde se podia ler "abaixo o embargo", "abaixo a intervenção" e "viva Aristide".
Mas pode-se dizer que pelo menos 80% da população apóiam a intervenção americana. A reportagem da Folha visitou ontem a favela de Cité Soleil, onde funcionam vários templos de vodu, a magia negra haitiana.
Eram 11h quando guardas da polícia nacional começaram a fazer uma batida na favela. Enquanto o automóvel policial cruzava um riacho de esgoto, onde a população cria seus porcos para alimento, grupos se reuniram e cercaram o comboio, xingando os policiais.
Enquanto isso, a 500 metros dali, cruzava a multidão uma ambulância, um trator e um carro blindado das forças dos Estados Unidos. Foram saudados com palmas.
A água ainda está escassa e todos os hotéis da cidade sobrevivem com geradores de energia. Cada refeição está custando nas ruas em torno de US$ 50 e uma corrida de cinco quilômetros de táxi sai por US$ 100. Um litro de gasolina custa US$ 20.
As portas dos hotéis estão lotadas de haitianos, que cobram US$ 200 para cada dia como tradutores de língua creoula.
Jornalistas de todo o mundo, que não conseguem bancar os gastos, estão pedindo ajuda para suas embaixadas. O fato é que, no Haiti, cada dia de trabalho jornalístico não custa menos de US$ 300.
Os comerciantes evitam trocar dólares. Joseph Saint Louis, dono de hotel na cidade alta de Petyon Ville, negava-se a trocar dinheiro até dois dias após a invasão.
"Pensávamos que gente da CIA estava querendo prender comerciantes, sob acusação de evasão de divisas", afirmou.
O ponto de concentração dos curiosos tem sido o Aeroporto Internacional, ainda o melhor cenário de toda invasão.
Aviões Galaxy cruzam os céus com helicópteros Cobra. Ao mesmo tempo, desembarcam marines nos helicópteros Sikorski.
No lado de fora, a população se reúne para o movimento, vigiada por nichos de metralhadoras.
Na noite de anteontem, o ministro da Informação do Haiti, Michel Louis, foi à televisão para pedir à população que não atrapalhe o desembarque das tropas.
(CJT)

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