São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 1994
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Má Impressão

MAX SCHRAPPE

No momento em que o governo federal está com o seu caixa a zero, sem fundos para até mesmo pagar os salários dos servidores, graças ao descaso dos parlamentares na votação do Orçamento, o próprio presidente do Congresso, senador Humberto Lucena (PMDB-PB), é alvo de um escândalo envolvendo o uso indevido do dinheiro público, através do Centro Gráfico do Senado.
A análise e aprovação do Orçamento é uma das responsabilidades básicas de um Parlamento que, pelo episódio Lucena, revela ser não só omisso como pouco responsável quanto ao uso eleitoreiro de seus recursos destinados aos interesses maiores da nação.
Há cerca de 30 anos, a Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf), entidade representativa do setor gráfico nacional, vem denunciando o perigoso crescimento das gráficas estatais, em todos os níveis. Não só as constituídas como tal, mas também, e principalmente, aquelas montadas em silêncio –simples seções dos organismos das administrações direta e indireta.
Não se trata de qualquer espécie de corporativismo ou reserva de mercado, já que sempre deixamos clara a compreensão da necessidade de existência das gráficas destinadas, por exemplo, aos impressos relacionados à segurança nacional –os chamados de sigilo obrigatório. E, até mesmo, das gráficas existentes para imprimir, tão somente, as edições informativas dos diários oficiais.
Entretanto, embora com seguidas denúncias e constantes vitórias da Abigraf na defesa dos legítimos interesses da sociedade, as gráficas estatais continuam vivas e, de vez em quando, surgem outras, novas, nas esferas municipal, estadual e federal.
É claro, todas gerando empregos para os apadrinhados, recursos eleitorais, corrupção de todos os tipos. Isso, quando não concorrem –injustamente– com a iniciativa privada, atuando no mercado com a desenvoltura de quem, às custas dos cidadãos que pagam os impostos para sustentá-las, oferece preços irreais. Com isso vitimando, em especial, a saúde das pequenas e médias empresas gráficas. Uma afronta à própria Constituição.
Uma gráfica estatal tem quase sempre uma boa localização, bom prédio, boas instalações, equipamentos de ponta, funcionários de sobra e com altos salários, fartura de estoques com os insumos mais caros.
Já a iniciativa privada, pagando altos impostos, não tem as mesmas oportunidades, além do que, corre sérios riscos e enfrenta um predatório mercado.
Estamos, já de algum tempo, tentando construir um Brasil de seriedade e trabalho, com justiça para todos. E isso tem um alto preço social, como sabemos e pagamos.
A gráfica do Senado, uma das 130 estatais do gênero no país, consome apenas com a folha de pagamento dos seus desnecessários passageiros –um famoso trem da alegria com 1.200 funcionários– R$ 12 milhões por ano. E para quê?
Para imprimir calendários e cadernos com fotos de senadores que, sem nenhum critério além da mais primária caça ao voto, são distribuídos aos milhares para brasileiros que, muitas vezes, nem os sabem ler –uma irônica propaganda política.
Aprendemos com a sabedoria popular que "o mal se corta pela raiz". Não adianta apenas punir um ou 20 parlamentares pelo uso indevido da gráfica do Senado. É preciso acabar com todas as gráficas sem real finalidade. Impedir o que podemos chamar, com certeza, de má impressão...

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