São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Os tóxicos

A idéia do futuro ministro da Justiça, Nelson Jobim, de alterar a legislação antidrogas brasileira para diferenciar melhor consumidores de traficantes é de fato interessante. Pode-se até mesmo dizer que chega relativamente tarde ao Brasil.
Países como Espanha e Holanda e mesmo alguns Estados dos EUA já toleram o consumo pessoal de determinadas drogas. No Brasil, contudo, uma pessoa que porte quantidades ínfimas de substância estupefaciente pode ser condenada a até 15 anos de reclusão.
É evidente que um único dia na cadeia –o que não dizer de 15 anos– só vai agravar ainda mais a situação psicológica de alguém já suficientemente abalado para ter cedido ao vício.
Diferenciar claramente o usuário do traficante é, portanto, uma modernização mais do que necessária no Direito Penal brasileiro. Manter a legislação como está é confundir o criminoso com sua vítima. Equivale a punir um assaltado por ter-se deixado roubar.
E já que o futuro ministro parece disposto a promover uma discussão transparente sobre as drogas, por que não fazer avançar, como esta Folha defende, um debate sereno e isento sobre a proposta de, de fato, descriminar o uso de drogas?
Diante do fracasso que se revelou a política de repressão ao tráfico, que apenas consome muito dinheiro dos contribuintes sem ter conseguido reduzir de forma significativa o comércio de tóxicos e toda a violência que o acompanha, vem ganhando adeptos a tese de simplesmente legalizar o uso de tóxicos, a exemplo do que ocorre atualmente com o álcool na maior parte do mundo. Essa idéia tem defensores insuspeitos como o papa da ortodoxia econômica, Milton Friedman, e o liberal semanário britânico "The Economist".
Para os defensores da legalização, a descriminação das drogas privaria os traficantes de sua principal fonte de lucro, o chamado imposto da ilegalidade, que é justamente o que lhes dá o poder de gerar tamanha violência e corrupção. Também tenderia a ocorrer, dizem, uma diminuição nos crimes cometidos por viciados em busca de recursos para comprar drogas.
Os advogados da descriminação dizem ainda que os tóxicos poderiam ser taxados e os recursos daí advindos poderiam ser usados em programas de prevenção e recuperação de drogados, o que, em médio prazo, poderia trazer resultados talvez mais eficientes do que os obtidos com a simples repressão.
Enfim, trata-se de uma discussão complexa em que muitos prós e contras têm de ser analisados e cuidadosamente pesados. E o próximo governo não se pode furtar a essa discussão. Ela envolve, tanto no plano econômico como no da violência e principalmente no da saúde pública, o futuro do país.

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