São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Novo ano, novas forças

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O ano de 1994 nos trouxe algumas boas lições. Relato aqui três delas, aparentemente desconexas mas, na realidade, muito relacionadas entre si.
1) Acabo de ler um relatório que revela um desperdício de alimentos no Brasil de quase US$ 2,5 bilhões decorrente de mau armazenamento e transporte inadequado de arroz, feijão, milho, soja, trigo, hortaliças e frutas. É lamentável ver isso acontecer num país em que tanta gente passa fome por falta de acesso ao que comer.
Além disso, há o desperdício do consumidor, especialmente das classes mais altas, que insiste em pôr no lixo muita coisa que os povos mais ricos guardam na geladeira para comer no dia seguinte. É difícil precisar o volume desse desperdício. Mas, considerando-se que aquelas classes possuem uma renda de aproximadamente US$ 120 bilhões –dos quais uns US$ 30 bilhões vão para alimentação– e considerando-se ainda um desperdício médio de 10%, isso significa uma perda adicional de mais US$ 3 bilhões. Ou seja, o país joga fora mais de US$ 5 bilhões de comida a cada ano. Isso é um absurdo. E, ao mesmo tempo, é um alerta para que tomemos providências para reduzir essa perda.
2) Outra lição importante do final de 1994 veio do México. Ela mostrou que apoiar um plano de estabilização em uma âncora cambial apenas é extremamente perigoso. A estabilização econômica só dá certo quando o ajuste fiscal é feito de modo completo e definitivo. O Brasil precisa levar isso a sério. Do contrário, em dois ou três anos, nossas reservas também irão para o espaço e a crise cambial nos atingirá em cheio –como atingiu o México.
3) Uma outra lição importante, finalmente, veio do Mercosul. A Argentina mostra-se cada vez mais preocupada com o novo mercado por julgar que, tendo a sua indústria sido sucateada por anos de recessão e abertura descontrolada das importações, o Brasil entrará em nítida vantagem comparativa passando a mais vender do que comprar no terreno dos produtos industriais.
Esse raciocínio pressupõe que nossa indústria continue crescendo e se modernizando –o que não está garantido com o atual câmbio deprimido –que afeta os exportadores– e com a entrada desregrada de produtos importados –que afeta os produtores do mercado interno.
O Brasil exporta cerca de US$ 42 bilhões por ano. Isso é menos de 10% do nosso PIB enquanto que, na média, os demais países do mundo exportam cerca de 20%. Temos um grande espaço para crescer nesse campo. Já deveríamos estar exportando US$ 100 bilhões –o que representaria muito mais divisas, empregos, salários e bem-estar.
Neste momento de euforia pelo Ano Novo e pelo novo governo, vale a pena olharmos para esse passado imediato e buscar soluções com base nas três lições. Temos de reduzir drasticamente o vergonhoso desperdício do que produzimos, realizar o ajuste fiscal para garantir a estabilidade da moeda e proteger com muito carinho o parque industrial brasileiro. Mais do que nunca, é imperioso pensar e acreditar no Brasil. Dessa forma, o Brasil terá não apenas um bom ano, mas um final de século altamente promissor.

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