São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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O ministro da bola

MARCUS AUGUSTO GONÇALVES

Marcos Augusto Gonçalves

O futebol brasileiro tem sido vitorioso não por causa de seus dirigentes, mas quase sempre apesar deles

Ele tem sido, fora dos estádios, uma figura controvertida. Criticado por sua suposta omissão sobre os problemas raciais no Brasil, ridicularizado pelo sentimentalismo de suas declarações sobre as "criancinhas" ou a célebre sentença de que os brasileiros não saberiam votar, Pelé, o rei do futebol, chega ao cargo de ministro extraordinário dos Esportes ainda cercado por suspeitas. Até que ponto irá seu empenho na nova função? Saberá mover-se no terreno da política com a desenvoltura necessária para concretizar seus planos? Montará uma equipe de trabalho capaz?
O tempo dirá. Mas uma coisa é certa: para aqueles que vêm acompanhando as inglórias tentativas de alguns poucos técnicos e dirigentes de dotar o futebol brasileiro de um mínimo de racionalidade, a escolha de Pelé surge com a expectativa de um drible no atraso e na ineficiência que, há anos, envolve a administração do esporte no Brasil.
Aquilo que o presidente hoje empossado chama, com propriedade, de "oligarquia esportiva" costuma reagir às críticas citando títulos conquistados –a vitória na Copa dos Estados Unidos é a última peça autopromocional do presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira. É preciso ser um perfeito idiota da objetividade para aceitar o argumento.
Com uma capacidade extraordinária de produzir bons jogadores, o futebol brasileiro tem sido vitorioso não por causa de seus dirigentes, mas quase sempre apesar deles. Artífices de campeonatos deficitários e mirabolantes, incapazes de organizar um simples calendário anual, permeáveis a toda sorte de concessões políticas, metidos em negócios nebulosos, os responsáveis pelo futebol, com as exceções honrosas de sempre, fazem parte de um Brasil de autarquias, de um Brasil de carimbos e mata-borrão, de um Brasil de politicagem e troca de favores.
Inépcia e anacronismo gerencial têm levado o futebol brasileiro a se transformar em exportador de matéria-prima –ou de "pé-de-obra", como disse o colunista Matinas Suzuki, editor-executivo da Folha– e provocado a virtual falência de clubes com enorme apoio de torcida, caso do Flamengo, o maior de todos, que deve cerca de... US$ 20 milhões!
Pelé, cujas relações com a cúpula do futebol têm sido saudavelmente conflituosas, certamente encontrará muitas dificuldades para exercer sua nova função. Mas por sua experiência nos Estados Unidos, pelo que conhece do mundo esportivo europeu e pela sua própria história como jogador e empresário, tem tudo para exercer sobre a tal "oligarquia esportiva" uma pressão capaz de quebrar a inércia do atraso e da ineficiência.

Marcos Augusto Gonçalves é editor da Revista da Folha

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