São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Solidão da imagem

EDOUARD ZARIFIAN
ESPECIAL PARA O "LE MONDE"

Foi no bairro de Montplaisir, em Lyon, que o cinema teve origem. Ali fica a usina onde Auguste e Louis Lumière fizeram funcionar um aparelho que animava imagens, com o qual filmaram a saída dos operários em 19 de março de 1895. Mas o cinema nasceu de verdade em 28 de dezembro do mesmo ano, com a primeira projeção pública, no Grand Café em Paris. Começava a era da imagem.
Durante séculos, as imagens foram apenas pinturas de temas religiosos, mitológicos ou alegóricos –isto quando as religiões não interditavam a representação da natureza, do homem e de Deus. Depois, a fotografia alterou o olhar do pintor. Em seguida, a imagem animada se desenvolveu de proeza em proeza –o cinema sonoro, a cor, as tentativas de criar relevo (e até odores), a visão panorâmica–, antes que outras formas de domínio da imagem aparecessem: a TV, o vídeo, o CD-Rom.
No intervalo, a partir do momento em que o instrumento foi domesticado, o cinema se transformou em sétima arte, cobrindo todos os gêneros de interesse e narrativa. Este meio de expressão pelo homem, para o homem, é polivalente e universal. Toda forma de mensagem pode ser comunicada. O cinema é um instrumento para sonhar, para esquecer, para transmitir, para testemunhar, para lembrar. Ele cria beleza e é quadro, ele cria revolta e é panfleto, ele cria a emoção e é vida...
O impacto do cinema sobre os indivíduos e as representações sociais é fruto de seu poder de convencer e dos fenômenos que permite criar. Antes dele, somente o livro podia agir sobre o tempo e as distâncias. Mas o livro invoca o imaginário, enquanto o cinema dá a ver, molda as representações.
Este "novo pequeno assalariado de nossos sonhos", como dizia Céline, é onipotente. Abole o espaço e as distâncias, torna o longínquo familiar, acopla o afastado. A outra dimensão de nossa vida, o tempo, é igualmente manipulada e dominada. Viagem ao passado ou ao futuro, tempo congelado para sempre. Mas isso não passa de ninharia. Até mesmo as trucagens que mistificam nossa credulidade e alimentam a propaganda e a publicidade nada são ao lado do poder mais impressionante do cinema: a despersonalização.
Durante uma hora e meia, e às vezes além do fim do filme, graças aos mecanismos de identificação e de projeção, somos outra pessoa. Esta vida por procuração se realiza no escuro, no isolamento, sem outra experiência sensorial a não ser a visão e a audição. É esta a verdadeira abolição do tempo vivido. E o retorno à realidade é às vezes difícil quando a imagem substituiu a imaginação, após o contato com esta "arte que pode até nos falar de nossos mutismos" (Cioran).
Lobo da sociedade, mas também modificador dela, o cinema modelou várias representações sociais caricaturando a realidade. Por exemplo, para ficar em meu domínio de competência, as perturbações psíquicas só existem no cinema como loucura, perigosa ou abusivamente reprimida, em uma oscilação sempre pejorativa que vai de "Massacre da Serra Elétrica" a "Um Estranho no Ninho".
O cinema é, por definição, um prazer solitário. A televisão, que tem sua própria história, está integrada aos lugares da vida, ela permite a mudança de programas e as emoções comuns. Nas salas obscuras, o espectador está na posição de solitário e de passivo, mesmo sendo mobilizado pelo espetáculo. A partilha, se existe, só se faz depois. O cinema extinguiu o prazer coletivo do circo, do teatro ao ar livre, da festa. O teatro hoje imita o cinema mergulhando o espectador, desde os três sinais, no isolamento e na escuridão.
A civilização da imagem pretende ser instrumento de comunicação, mas ela aboliu os valores tradicionais da transmissão oral. O "era uma vez..." não existe mais. O romance só fica conhecido graças à adaptação ou à deformação cinematográfica. Quanto mais se refina a técnica da imagem e os instrumentos de comunicação, mais se diminuem as trocas interpessoais. No Japão, algumas pessoas vivem sozinhas ou rodeadas de imagens reais ou virtuais que substituem os contatos humanos.
O cinema e seus derivados não devem se transformar, em nome da comunicação, em obstáculo às trocas diretas entre os homens. A tela deve servir para a projeção, não para a separação. Desejemos longa vida ao cinema "de arte", ao "cineclube", que permitem a partilha e restauram a palavra.

Tradução de Cássio Starling Carlos

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