São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Enfim adulto
JORGE SEMPRUN
Claude-Edmonde Magny –demasiado esquecida hoje– já dizia isso há meio século, no primeiro capítulo ("Estética Comparada do Romance e do Cinema") de um apaixonante ensaio sobre "A Era do Romance Americano". "Hoje", ela escrevia ali, "para que a produção de um filme seja um empreendimento rentável, é preciso que ele possa ser visto e ouvido por um número grande de pagantes reunidos em uma sala. Mas que venha, por exemplo, a televisão, que a produção consiga se ajustar economicamente a este aperfeiçoamento técnico" (atenção, isto foi escrito em 1946) "e o filme reencontrará sua essência profunda; ao se assemelhar em tudo ao romance, ele será dirigido ao que o homem tem de mais interior, de mais solitário...". Nos seus primórdios, o cinema se inseria nas estruturas de produção e de representação teatrais. Trata-se de um fenômeno habitual na história das culturas: a novidade, mesmo radical, demora a se libertar dos moldes e modelos de consumo e de celebração estabelecidos. Contudo, público de teatro e público de cinema não são comparáveis em nada. O primeiro constitui uma comunidade, por mais efêmera que seja. O segundo é um agregado de individualidades. No teatro, o desenrolar do espetáculo reforça a comunicação interindividual, a comunidade. No cinema, o espetáculo reforça a solidão, a enriquece substancialmente. Aqui também, a televisão permite determinar e sublinhar a diferença. Uma peça de teatro é transmitida pela TV com os sons ambientes, os risos e os suspiros –acrescentados, se for o caso– dos espectadores. Ninguém teria a idéia de proceder da mesma forma com a reprodução de um filme de cinema. Cem anos após seu nascimento, portanto, contra as servidões industriais e as mitologias culturais, que se obstinam em fazer do consumo cinematográfico uma cerimônia coletiva, um ritual massificado, o espectador pode enfim tornar-se leitor. Livre de suas escolhas, solitário, adulto: zapador. É em torno desse fato maior, revolucionário, ocultado pelo discurso dominante, falsificadamente culturalista, antimediático por conforto e rotina, que é preciso compreender em quê, no mais íntimo, o cinema afetou nosso século e que seria preciso organizar sua sobrevida e sua expansão inventiva. Tradução de Cássio Starling Carlos Texto Anterior: Se eu fosse o cinema;Trégua Próximo Texto: História(s) do cinema. Com "s" Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |