São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Acreditando, mas com um pé atrás

LUÍS NASSIF

Antes mesmo de se conhecer em detalhes seus projetos para a área social, o presidente Fernando Henrique Cardoso já levou tiros. Antes de assumir o Ministério do Planejamento, os presumíveis super-poderes do senador José Serra já foram bombardeados pela imprensa.
É uma bela maneira de começar o ano e o governo. Não existem mais cheques em branco, nem salvadores da pátria. Não existem prazos de carência nem condescendência. Existem pessoas investidas de mandatos, com responsabilidades definidas, tendo na outra ponta fiscais permanentes de seus atos.
Quando caminharem na direção às reformas propostas, terão apoio integral da opinião pública. Quando vacilarem, serão acerbamente criticadas.
Enfim, o país já cruzou o Rubicão do subdesenvolvimento político e hoje está maduro para permitir colocar-se em prática um projeto de Nação. De norte a sul do país houve a recuperação da auto-estima e a volta do otimismo. Não o otimismo inconsequente de anos passados, quando se esperava que a salvação viesse do céu. Hoje há o otimismo pé no chão, de quem acreditava realmente no potencial do país, mas sabe da necessidade de se trabalhar duro e direito para realizá-lo.
Enquanto ministro de Itamar, FHC gerou desconfianças de monta acerca de sua tenacidade, capacidade de realização e compromisso com mudanças. Em sua gestão, praticamente todos os indicadores públicos regrediram. Aumentou o rombo da Previdência e da Saúde, dobrou a folha de pagamentos do funcionalismo, regrediu a negociação das dívidas com o setor elétrico, refluiu o sistema de controles sobre bancos estaduais.
Uma avaliação benevolente explicaria sua abulia pelo fato de servir a um governo invertebrado, comandado por um presidente de temperamento difícil e pouca capacidade de discernimento, que consumia praticamente todas suas energias. E também pelo senso estratégico de preparar terreno para conquistar a presidência e aí sim dar início às reformas.
Uma avaliação pessimista diria que historicamente FHC caracterizou-se pela pouca vontade de administrar conflitos e pela capacidade de transferir para terceiros suas responsabilidades.
É cedo para saber qual a avaliação é mais procedente. Seus primeiros atos foram positivos. O discurso de despedida do Senado foi uma peça vigorosa, na qual explicitou objetivos claros de governo e trouxe a si a responsabilidade integral pelo sucesso ou fracasso de seu governo.
Com algumas exceções, a nomeação do ministério demonstrou preocupações claras com sua operacionalidade, afastando o fantasma do academicismo –indicação de "notáveis" sem afinidades com o gerenciamento.
Decisões adotadas na fase de transição –como a intervenção no Banespa e no Banerj, e a ameaça de execução de estados inadimplentes– são sinais expressivos de vontade política.
Mas a caminhada está apenas iniciando. Todos os setores modernos do país precisam se preparar para a grande batalha das reformas no primeiro semestre deste ano. Se bem sucedido, FHC espantará as últimas dúvidas sobre sua vontade política. E o país poderá ingressar finalmente na era da modernização e da justiça social.

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