São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Moda lucra com nossa insegurança cotidiana

ESPECIAL PARA A FOLHA

Imagine o filme que começa com Mastroianni, em uma loja chique da Christian Dior, escolhendo gravatas. Poderia ser Paris ou Londres, mas não. A câmera abre e estamos em plena Praça Vermelha, Moscou. É assim o começo "Prêt-a-Porter" (que, na última hora, os produtores, distribuidores ou sabe lá quem mudaram o nome para "Ready to Wear"), o novo filme de Robert Altman.
O nome diz tudo: várias historietas, inclusive um assassinato, na semana de desfiles de moda, em que grandes costureiros apresentam novas coleções. É evidente que Altman, nostálgico intelectual de esquerda, retrata o assunto com mordaz ironia. Costureiros, editores de moda, fotógrafos e modelos que, no mundo fútil de hoje, são reconhecidos como grandes personalidades da nossa cultura, não dizem coisa com coisa, ou melhor, o mais longe que podem ir é anunciar a cor ou, como gostam de dizer, "tendência", da próxima estação.
Segundo dizeres de um personagem, "a moda é a oportunidade de se ganhar muito dinheiro com a insegurança das pessoas". E lá vão eles ditando "é roxo", e lá vamos nós, carneirinhos, comprando "roxo". A moda é filha prodígio do stalinismo. E não me pergunte por que os convites de um desfile de moda, mesmo em São Paulo, são tão disputados. E não me pergunte o que uma penca de marmanjos vai fazer num desfile de modas. Ver modelos, talvez.
Altman, muitos, eu inclusive, gostariam que nossos patrícios se mobilizassem em torno de algo mais consistente, como a leitura de um bom livro. Mas somos isso: uma grande massa fugaz, narcisista, que adora uma bobagem; lembro-me da depressão em que fiquei quando em Havana, Cuba, fui cercado por adolescentes que ofereceram os tubos por minha calça de veludo. Cá está o panorama mundial: o consumo venceu. Que as grandes dúvidas da existência humana sejam a cor do cabelo, o tecido da calça, a estampa e o corte de tudo o resto.

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