São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995 |
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Reforma na África do Sul ameaça reino zulu
FERNANDO ROSSETTI
Apesar da derrota militar no século passado, até as eleições de abril deste ano os zulus conseguiram manter um alto grau de independência em seu reino, a Zululândia –ou KwaZulu, na língua de 22% dos sul-africanos. Agora, a tendência é o reino ser incorporado à "nova África do Sul", perdendo a autonomia relativa que teve mesmo sob o regime do apartheid (1948-1990). O resultado mais visível dessas transformações são as brigas entre grupos que apóiam o Partido da Liberdade Inkatha –exclusivamente zulu– e os que seguem o Congresso Nacional Africano (CNA), do presidente Nelson Mandela, de origem Xhosa. Essas disputas deixaram pelo menos 10 mil mortos desde 1990. Os personagens principais da briga hoje são o rei zulu, Goodwill Zwelethini, e o chefe do Inkatha e ministro do Interior da África do Sul, Mangosuthu Buthelezi. Desde que Mandela assumiu o poder, em maio, o rei Zwelethini tem gradativamente se aproximado do CNA, causando ira entre os partidários do Inkatha. Sob o apartheid, a província de KwaZulu-Natal tinha dois governos, um "branco", sediado na cidade de Pietermaritzburgo, e um "negro", baseado em Ulundi, uma pequena cidade rural, onde o rei zulu tem uma de suas casas. Foi durante esse período que o Inkatha cresceu como partido e Mangosuthu Buthelezi –então chefe militar do governo negro– ganhou o título de "primeiro ministro tradicional dos zulus". Buscando manter seu poder –dependente da autonomia de KwaZulu em relação ao governo central–, Buthelezi aliou-se às forças "brancas" mais reacionárias da África do Sul, numa série de atentados contra o CNA. Apenas uma semana antes das eleições de abril, vendo que o pleito era irreversível, o Inkatha decidiu aderir. Praticamente sem campanha, o partido levou o governo de KwaZulu-Natal, com 50,3% dos votos, contra 32,2% do CNA. Chefes tradicionais A questão atual é de como os chefes tradicionais –os chamados amakosi (ou inkosi, no singular)– vão se relacionar com os novos poderes que estão se constituindo com a democratização do país. "Pela tradição, os amakosi garantem a posse da terra em nossa sociedade", afirmou à Folha o príncipe zulu Velekhaya Shange, partidário do Inkatha. "Romper com essa tradição poderá levar à guerra", acrescenta. O problema é que o chefe maior dessa tradição, o rei zulu –que reúne simbolicamente todos os amakosi– tem demonstrado apoio às políticas do CNA e disse que prefere que seu gastos pessoais sejam pagos pelo governo central. Buthelezi, por sua vez, diz que o rei não deve se meter em política (leia entrevista) e defende que ele e todos os amakosi sejam custeados pelo governo da Província –controlado pelo Inkatha. O último passo de Buthelezi para manter o controle político da região foi instituir na legislação da Província de KwaZulu-Natal uma Casa de Chefes Tradicionais. A Casa é um conselho formado por 80 amakosi e um representante do rei. Seu poder é essencialmente moral, já que não há interferência direta no funcionamento do Legislativo ou Executivo na Província. A lei foi aprovada em outubro pelo bloco majoritário do Inkatha na Assembléia Legislativa da Província, em Ulundi, e provocou forte reação do CNA e da Casa Real. 'Às regras da Casa de Chefes Tradicionais não foram discutidas e dão um papel secundário ao rei", afirmou o príncipe Sifiso Zulu, que tem sido porta-voz do rei desde que esquentou a briga entre Buthelezi e Zwelethini. "Não houve qualquer imposição. Eles é que não quiseram colocar emendas à lei", retrucou o ministro Inkosi Ngubani, de seu gabinete em Ulundi. Na região rural, o apoio a Buthelezi e ao seu partido é quase total, mas nos centros urbanos a opinião que predomina é que o reino zulu deve ser integrado à África do Sul. Texto Anterior: Crises marcam o ano no México Próximo Texto: Ministro Buthelezi defende autonomia Índice |
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