São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Reforma na África do Sul ameaça reino zulu

FERNANDO ROSSETTI
ENVIADO ESPECIAL A ULUNDI

O povo zulu –que já constituiu um dos reinos mais poderosos do sul da África– está passando por transformações do vulto da que ocorreu em 1879, quando os ingleses dominaram a região.
Apesar da derrota militar no século passado, até as eleições de abril deste ano os zulus conseguiram manter um alto grau de independência em seu reino, a Zululândia –ou KwaZulu, na língua de 22% dos sul-africanos.
Agora, a tendência é o reino ser incorporado à "nova África do Sul", perdendo a autonomia relativa que teve mesmo sob o regime do apartheid (1948-1990).
O resultado mais visível dessas transformações são as brigas entre grupos que apóiam o Partido da Liberdade Inkatha –exclusivamente zulu– e os que seguem o Congresso Nacional Africano (CNA), do presidente Nelson Mandela, de origem Xhosa.
Essas disputas deixaram pelo menos 10 mil mortos desde 1990.
Os personagens principais da briga hoje são o rei zulu, Goodwill Zwelethini, e o chefe do Inkatha e ministro do Interior da África do Sul, Mangosuthu Buthelezi.
Desde que Mandela assumiu o poder, em maio, o rei Zwelethini tem gradativamente se aproximado do CNA, causando ira entre os partidários do Inkatha.
Sob o apartheid, a província de KwaZulu-Natal tinha dois governos, um "branco", sediado na cidade de Pietermaritzburgo, e um "negro", baseado em Ulundi, uma pequena cidade rural, onde o rei zulu tem uma de suas casas.
Foi durante esse período que o Inkatha cresceu como partido e Mangosuthu Buthelezi –então chefe militar do governo negro– ganhou o título de "primeiro ministro tradicional dos zulus".
Buscando manter seu poder –dependente da autonomia de KwaZulu em relação ao governo central–, Buthelezi aliou-se às forças "brancas" mais reacionárias da África do Sul, numa série de atentados contra o CNA.
Apenas uma semana antes das eleições de abril, vendo que o pleito era irreversível, o Inkatha decidiu aderir. Praticamente sem campanha, o partido levou o governo de KwaZulu-Natal, com 50,3% dos votos, contra 32,2% do CNA.

Chefes tradicionais
A questão atual é de como os chefes tradicionais –os chamados amakosi (ou inkosi, no singular)– vão se relacionar com os novos poderes que estão se constituindo com a democratização do país.
"Pela tradição, os amakosi garantem a posse da terra em nossa sociedade", afirmou à Folha o príncipe zulu Velekhaya Shange, partidário do Inkatha. "Romper com essa tradição poderá levar à guerra", acrescenta.
O problema é que o chefe maior dessa tradição, o rei zulu –que reúne simbolicamente todos os amakosi– tem demonstrado apoio às políticas do CNA e disse que prefere que seu gastos pessoais sejam pagos pelo governo central.
Buthelezi, por sua vez, diz que o rei não deve se meter em política (leia entrevista) e defende que ele e todos os amakosi sejam custeados pelo governo da Província –controlado pelo Inkatha.
O último passo de Buthelezi para manter o controle político da região foi instituir na legislação da Província de KwaZulu-Natal uma Casa de Chefes Tradicionais.
A Casa é um conselho formado por 80 amakosi e um representante do rei. Seu poder é essencialmente moral, já que não há interferência direta no funcionamento do Legislativo ou Executivo na Província.
A lei foi aprovada em outubro pelo bloco majoritário do Inkatha na Assembléia Legislativa da Província, em Ulundi, e provocou forte reação do CNA e da Casa Real.
'Às regras da Casa de Chefes Tradicionais não foram discutidas e dão um papel secundário ao rei", afirmou o príncipe Sifiso Zulu, que tem sido porta-voz do rei desde que esquentou a briga entre Buthelezi e Zwelethini.
"Não houve qualquer imposição. Eles é que não quiseram colocar emendas à lei", retrucou o ministro Inkosi Ngubani, de seu gabinete em Ulundi.
Na região rural, o apoio a Buthelezi e ao seu partido é quase total, mas nos centros urbanos a opinião que predomina é que o reino zulu deve ser integrado à África do Sul.

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