São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Ministro Buthelezi defende autonomia

FERNANDO ROSSETTI
DO ENVIADO ESPECIAL

Mangosuthu Buthelezi, 66, é o líder político mais controvertido da África do Sul. Com sua defesa da autonomia do povo zulu, acabou sendo apoiado como chefe político pelo regime do apartheid.
Por causa desse apoio, conseguiu que a Zululândia, ou KwaZulu, não fosse desligada da África do Sul –como ocorreu com os bantustões, onde os habitantes perderam a cidadania sul-africana.
Desde 1990, quando Nelson Mandela foi libertado, Buthelezi se polarizou com o CNA (Congresso Nacional Africano), que sempre propôs a integração de todas as etnias.
Desde a eleição de abril –que ameaçou boicotar até a última semana–, Buthelezi entrou em rota de colisão com o rei zulu, Goodwill Zwelethini, que até então servia de lastro para as posições de seu Partido da Liberdade Inkatha.
Com uma boa votação, Buthelezi foi nomeado por Mandela ministro do Interior da África do Sul. Mas perdeu o posto de conselheiro principal do rei, com quem brigou por este se aproximar do CNA.
Ele falou à Folha na sede da administração de KwaZulu-Natal em Ulundi, a capital.

Folha – O sr. parece ter bastente apoio em Ulundi...
Mangosuthu Buthelezi – Bom, as pessoas de KwaZulu votam em mim. Em abril, meu partido ganhou as eleições aqui.
Folha – Por que o sr. tem esse apoio, às vezes mais forte do que ao próprio rei?
Buthelezi – Há duas coisas aí que não podem ser confundidas, a nossa reverência ao rei e o nosso apoio político. Eu não diria que estou competindo com o rei, porque ele não está realmente no jogo político como eu.
Folha – O sr. diria que há uma transição da liderança tradicional para uma mais política, nos moldes ocidentais?
Buthelezi – Não estou certo disso. No passado houve ocasiões em que pessoas tentaram manipular o rei e usar isso politicamente. Cada vez que isso ocorreu, o povo zulu mostrou claramente que não há nenhuma confusão entre liderança política e a posição do rei. Ele é o chefe da nação e é o símbolo da união do povo zulu.
Folha – Mas não há uma competição por poder?
Buthelezi – É falsa a acusação de que há competição entre o monarca e os líderes políticos. Nós estamos passando por uma fase muito difícil, porque, desde as eleições, lideranças do CNA estão tentando manipular o rei. Há muito ressentimento contra isso.
Folha – Como é a sua proposta de uma monarquia constitucional em KwaZulu?
Buthelezi – É semelhante ao que existe no Reino Unido e em outros países da Europa. Só dá para ser assim. Em qualquer Constituição o rei não é um Poder Executivo, mas um símbolo de união.
Folha – Atualmente, de quem o rei recebe seu salário?
Buthelezi – Os gastos do rei –eu não diria que ele recebe um salário– são pagos há muito tempo pelo governo de KwaZulu. Há muito debate na imprensa, porque algumas pessoas estão tentando dizer que o rei deveria receber seu custeio de Pretória –e ele mesmo parece querer isso. Ao mesmo tempo, há essa discussão sobre seu alinhamento com o CNA. Mas a Constituição da África do Sul deixa muito claro que as questões ligadas ao rei estão sob a competência do governo regional.
Folha – Mas ele já não está recebendo algum dinheiro do governo central?
Buthelezi – Ontem, numa reunião com o presidente Mandela, esta questão foi levantada. Ele nega que tenha dado dinheiro ao rei. No entanto, alega que alguns líderes tradicionais disseram que preferem receber do governo central. Mas nós não queremos que as despesas de nosso próprio rei sejam custeadas de fora. Nosso rei deve ser cuidado pelo seu povo.
Folha – Estão ocorrendo muitas mudanças culturais entre os zulus, como as mulheres demandando mais direitos, quando tradicionalmente os homens detêm o poder. Isso seria uma ocidentalização?
Buthelezi – Eu diria que essa questão das mulheres é, na verdade, uma questão mundial. O sufrágio universal só atingiu o Reino Unido este século. Não é uma coisa peculiar aos zulus. Quando nós fomos conquistados, nossas tradições foram usadas para escrever o Código das Leis Zulus. Nesse Código, eles fizeram nossas mulheres menores –equipararam-nas às crianças. Quando assumimos o poder em KwaZulu, nós abolimos isso. Nossas mulheres são iguais. Meu partido sempre foi contrário à discriminação de gênero. Não é como se uma revolução estivesse ocorrendo de repente. Fizemos isso há quase 20 anos. Folha – Como o sr. vê a poligamia? O sr. é polígamo?
Buthelezi – Eu não, eu sou cristão. Meu pai era. A poligamia é parte da cultura do povo zulu.
Folha – Mas essa prática está mudando?
Buthelezi – Sim, está mudando, embora não seja uma questão de as pessoas estarem se tornando mais cristãs –isso apenas contribui. É por causa da economia. Mesmo não-cristãos estão se casando com uma única mulher, porque a realidade econômica impõe isso. Tradicionalmente, os homens pagam um dote ao sogro.
Folha – Qual será a participação do Inkhata nas eleições regionais do ano que vem?
Buthelezi – Ainda não temos claro. Estamos tentando tirar uma posição sobre isso. Mas há questões maiores que têm que ser tratadas antes. Por exemplo, a das autoridades locais e dos amakosi, ou líderes tradicionais –se eles serão membros dos poderes regionais ou terão seus próprios conselhos.
Folha – O sr. ainda espera mediação internacional para resolver isso?
Buthelezi – Sim, este foi o acordo para que participássemos das eleições de abril. No dia 7 de dezembro, o sr. Mandela, o sr. De Klerk e eu tivemos uma discussão onde concordamos que cada uma das partes deveria escolher um representante, para formar uma pequena comissão de três pessoas que preparariam a mediação.
Folha – Qual o futuro que o sr. propõe para o reino Zulu?
Buthelezi – Nós somos monarquistas, acreditamos no rei. Por isso, desde o começo das discussões constitucionais nós estávamos lutando por uma fórmula federativa, pela qual nosso reino pudesse existir. Assim, KwaZulu poderia ser diferente de Gauteng (Província de Pretória e Johannesburgo). É por isso que a mediação internacional é tão importante.
Folha – O sr. já esteve no Brasil?
Buthelezi – Só passei pelo Rio, nos anos 70. Quando estive lá ainda havia o apartheid e eu fiquei muito admirado com o povo ser misturado daquela forma. Era exatamente o contrário do que ocorria aqui. Quando a gente pensou Ulundi, a idéia era fazer algo como Brasília.

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