São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Espelho, espelho meu

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Suponha que, nesta segunda-feira, pudéssemos acomodar o Brasil diante de um imenso espelho. Ouviríamos, em uníssono, uma estrepitosa exclamação: "Sou lindo! Maravilhosamente lindo!".
O novo presidente não nos devolveu apenas a auto-estima. Fernando Henrique transformou-nos numa legião de Narcisos. E a metamorfose se deu do dia para a noite. Como num sonho.
Em alguma madrugada da fase Itamar, adormecemos abaixo do Equador. Carregávamos então uma imagem sarará, manchada pela miséria. Éramos brasileiros.
Passado o 31 de dezembro, na primeira manhã de 1995, acordamos na Escandinávia. Súbito, descobrimo-nos suecos. Loiros de cinema. A sensação de prosperidade tingiu-nos a todos.
Há, obviamente, um quê de irreal na imagem projetada pelo Brasil de Fernando Henrique. Ao otimismo típico do réveillon, veio somar-se um ufanismo histriônico. Um tanto desmedido.
É certo que alguns avanços reclamam justificada salva de fogos. Mas o momento não é outro senão o do trabalho. Não se deve festejar o feito irrealizado.
Tome-se o exemplo pessoal de Fernando Henrique. Incomodava-se até bem pouco com duas bolsas de gordura que pendiam abaixo de seus olhos. Vaidoso, submeteu-se a uma plástica.
O então senador, já bem-apessoado, remoçou. Mas a pequena cirurgia não aliviou as dores de uma hérnia de disco que, ainda hoje, o conduz, de tempos em tempos, à sessão de acupuntura ou ao consultório do fisioterapeuta.
Com o domínio do bisturi, ainda que bem-sucedido, Fernando Henrique não fará nada além de iniciar um trabalho que se vislumbra longo e penoso.
Assim como lhe agraciou com uma hérnia, o destino deu ao Brasil problemas que, embora não caibam no espelho, provocam dor e sofrimento: o analfabetismo, a fome, a violência urbana, o fisiologismo político...
Ou o brasileiro põe os pés em solo firme ou logo se descobrirá não na Suécia, mas no México.

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