São Paulo, segunda-feira, 9 de janeiro de 1995
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Abertura "arrebenta" indústria, diz Butori

ARTHUR PEREIRA FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria brasileira de autopeças vai desaparecer nos próximos cinco anos, caso o governo mantenha a política de abertura sem restrições da economia.
A previsão é de Paulo Roberto Rodrigues Butori, 44, presidente do Sindipeças (sindicato de autopeças), que reúne 506 empresas do setor. "A abertura indiscriminada vai arrebentar a indústria", diz.
Ele defende a adoção de quotas para a importação de veículos. "Propomos que as importações fiquem limitadas a 8% do volume de vendas do mercado interno".
Butori afirma que a indústria de autopeças foi abandonada pelas montadoras. Elas teriam, segundo ele, se aliado aos importadores independentes. "É muito fácil para elas sentar e conversar. Cabem todas dentro de um Fusca. O nosso setor é concorrencial. Há uma briga de foice para conseguir contratos. Não há união aqui".
Engenheiro metalúrgico, Butori representa um setor que faturou US$ 15 bilhões em 94 –15% a mais do que em 93–, mas que registra prejuízos há quatro anos.
Com a "ameaça da importação" feita pelas montadoras, o presidente do Sindipeças diz que o setor foi obrigado a reduzir seus preços em 50% nos últimos dois anos e absorver os aumentos de custos. "Tivemos uma economia fechada durante 50 anos. Em dois anos temos que nos tornar competitivos frente ao produto internacional. Ninguém dorme brasileiro e acorda suíço".
Butori afirma também que é difícil o setor competir no Mercosul por causa dos incentivos concedidos pelo governo argentino à indústria local. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha:
Folha - Como foi o desempenho do setor em 94?
Paulo Butori - Tivemos um faturamento da ordem de US$ 15 bilhões. Exportamos 17% da nossa produção. Vendemos para o mercado de reposição mais ou menos o mesmo índice e 60% para as montadoras. O aumento de faturamento em relação ao ano anterior foi de 15%. Mas isso não representou aumento de lucratividade para as empresas. Ao contrário, as empresas se encontram em situação bastante difícil.
Folha - Por que ocorre isso?
Butori - Com a abertura econômica e o processo de "'global sourcing" implantado pelas montadoras, nossos preços vêm caindo desde 92. As montadoras comparam nossos preços com o preço internacional. Ou seja, comparam preços em uma escala de produção "x" com uma escala de produção "x" multiplicado por dez.
Folha - O sr. poderia dar um exemplo dessa comparação?
Butori - Um balancim de motor, por exemplo. No Brasil, uma determinada montadora utiliza 2,5 milhões dessas peças por ano. Uma outra, nos EUA, usa 29 milhões de peças/ano. Um volume dez vezes maior. Uma empresa que fabrica um volume tão grande pode ter preços melhores. Isso é agravado pelos impostos em cascata, que representam aumento de custo entre 12% e 15%, e os 15% da desvalorização cambial. Na soma, dá entre 27% e 30%. Dependendo da peça, é possível encontrar preços lá fora 50% menores.
Folha - Mas as empresas de autopeças não exportam?
Butori - O "global sourcing" é uma via de duas mãos. Assim como as montadoras instaladas no Brasil podem quotar os preços das autopeças de fora, as montadoras de outros países também podem quotar nossos preços. Mas para competir, você precisa mais máquinas, novos processos. Mas o nosso custo de financiamento é até cinco vezes superior ao dos concorrentes lá fora. Isso acaba com a competitividade.
Folha - As empresas de autopeças trabalham sem lucro?
Butori - Basta ver como nós estamos na visão dos bancos. Um balanço setorial apresentado pela Serasa (Centralização de Serviços Bancários), que avalia 250 empresas do setor, mostra que pelo quarto ano consecutivo o setor está com prejuízo. Em 91, a rentabilidade sobre vendas foi 7% negativa. Em 92, o prejuízo foi de 4%. Em 93, foi de 3%.
Folha - O setor pretende apresentar alguma sugestão ao governo ou às montadoras para enfrentar essa situação?
Butori - Vamos apresentar a proposta de quota para a importação de veículos. Isso agora é prioritário para nós. A partir do momento que as montadoras afirmam que em 95 vão importar 300 mil veículos, e se uniram à Abeiva, a associação dos importadores independentes -juntos vão trazer 450 mil veículos– nós ficamos abandonados. Essa política vai tornar a balança comercial do país altamente deficitária. Com essa política de abertura sem nenhuma restrição, você condena o país a ser produtor de veículo popular, de baixa qualidade e de preço baixo.
Folha - Como funcionaria esse sistema de quotas?
Butori - Nós propomos que as importações fiquem limitadas a 8% do volume de vendas do mercado interno. As montadoras têm um faturamento de cerca de US$ 15 bilhões. Sem as exportações, US$ 12 bilhões. Oito por cento desse valor daria cerca de US$ 1 bilhão. Ou seja, o equivalente a 33 mil carros na faixa de US$ 30 mil. Esse seria o limite.
Folha - O que vai acontecer se a quota para importações não for adotada?
Butori - O nível de emprego do setor cairá substancialmente. Hoje empregamos 235 mil trabalhadores em 506 empresas. Se não houver a adoção de quotas a indústria de autopeças será extinta.
Folha - Em quanto tempo?
Butori - Se tudo continuar constante, em cinco anos o setor desaparece. Porque a montadora vai exportar cada vez mais. É muito mais barato para ela. A abertura indiscriminada vai arrebentar a indústria.
Folha - Como o sr. vê o Plano Real? Ele traz perspectivas para o setor de autopeças?
Butori - Não é prioridade para o governo, no momento, preservar nenhum setor econômico. A não ser o sistema financeiro, que é sempre socorrido. A prioridade é manter a inflação baixa. E para conseguir isso, o governo é obrigado a abrir as fronteiras. Nós, que tivemos uma economia fechada durante 50 anos, em dois anos temos que nos tornar competitivos frente ao produto internacional. É uma exigência forte. Ninguém dorme brasileiro e acorda suíço.
Folha - Como ficam os planos de investimentos do setor?
Butori - Este ano fechamos com US$ 706 milhões investidos. A previsão inicial era investir US$ 1 bilhão. Para os próximos anos, tudo depende do governo. Hoje temos uma capacidade ociosa no setor de 12,5%. Considerando o total de veículos produzidos hoje –1,5 milhão– com o uso dessa capacidade chegaríamos a 1,8 milhão, 1,85 milhão. Ou seja, temos que fazer investimentos para atingir os dois milhões. Não estão sendo feitos esses investimentos porque não se encontram recursos com custos compatíveis aos internacionais.
Folha - Como a atual política cambial afeta o setor?
Butori - O setor de autopeças fecha contratos com as montadoras no exterior muitas vezes pela vida da peça. Enquanto o carro estiver em linha a empresa é obrigada a fornecer as peças. Se não fornecer, há uma multa enorme. Empresas que terminaram seus contratos e teriam que renovar, não farão isso.
Folha - Como o Mercosul pode ajudar o setor?
Butori - O Mercosul traz riscos para a indústria de autopeças do Brasil. Existe na Argentina o chamado regime automotriz. É uma política industrial para atrair investimentos de montadoras que haviam saído da Argentina há alguns anos. A Argentina está recriando a indústria que ela perdeu. E atrai investimentos que deviam ser feitos aqui. O resultado é que 65 das maiores empresas do nosso setor ou já foram para a Argentina, ou estão se transferindo ou estão estudando a possibilidade de mudança.

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