São Paulo, segunda-feira, 9 de janeiro de 1995
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Quando os dentes não são mais de leite

MARCELO FROMER; NANDO REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Grande foi a nossa satisfação ao participar do programa Esporte Polêmica da TV Jovem Pan, depois de termos aceitado o simpático convite de Roberto Petri.
Para nós que, desde pequenos e ainda sonhando com a possibilidade de nos tornarmos verdadeiros craques da bola, assistíamos ao Dente de Leite sob o comando do mesmo Petri e de Eli Coimbra, torcendo para que um dia pudéssemos entrar para o lado de dentro das telas.
Quando chegamos ao estúdio, nitidamente apreensivos pelo incerto da estréia, não esperávamos que a incentivadora e calorosa recepção dos nossos colegas de mesa nos trouxesse também à borda dos olhos um sentimento profundo e retroativo de encantamento e sincera admiração com o que há de histórico no modo como o futebol cercou as nossas vidas.
Subitamente o futebol, em plenas férias, voltava a brilhar cravando sua bola, jaboticaba máxima, na testa das memórias suadas do verão.
Mas imediatamente surgem as inevitáveis nuvens que chumbam nos dias atuais dissabores incondizentes com as glórias de tempos não tão remotos. E eis que as queixas voltam a nos atrapalhar até mesmo naquele instante de sublimes recordações. Vamos a uma delas.
Com a demanda de jogos, a desorganização renitente desse país –que ainda detém e sempre deterá os melhores jogadores do planeta– está deixando para trás displicentemente um dos fundamentos da paixão. Estamos falando especificamente dos clássicos. Os clássicos que outrora arrastavam multidões aos estádios, devido a suas constantes repetições, estão perdendo a sua magia, o seu glamour. Um Fla-Flu, um San-São, o Dérbi paulista, um clássico pernambucano, gaúcho, não importa qual fosse a origem, era um clássico, por ser raro, especial, único.
E o que acontece hoje em dia? Chegamos a ter três vezes o mesmo clássico numa única semana, tal a quantidade de torneios e tabelas destemperadas que nos foram apresentadas. O clássico já não existe mais, pois a frequência exaustiva com que são realizados acabam por lhe privar de seu motivo maior, motor: o ineditismo, a surpresa, a rixa, a rivalidade.
Se bem percebe o nosso ávido leitor, o que estão fazendo com o futebol é uma cínica e lenta sangria. Estão estirpando a emoção, o suspense e a saudável rivalidade clubística deu lugar ao vulgar, ao previsível, ao vazio. Ainda sob os efeitos de nossa participação no programa do Petri, e em nome de tudo o que é clássico no que cerca o futebol, reiteramos nossa vontade e desejo de que, em 95, os clássicos possam voltar a ser chamados assim. Ou então pediremos para que a Mamma substitua, também, a sua tradicional macarronada de domingo por um pálido prato de Miojo, argh!!

Marcelo Fromer e Nando Reis são músicos da banda Titãs.

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