São Paulo, segunda-feira, 9 de janeiro de 1995
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Os direitos da criança e do adolescente

MARIA IGNÊS BIERRENBACH

Faz-se fundamental que a sociedade tome conhecimento e os governos que ora se instalam atentem para as recomendações indicativas da primeira Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, patrocinada pelo Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) realizada em Brasília em novembro de 1994.
A presença na conferência de representantes dos 100% dos conselhos estaduais implantados, de quase 50% dos conselhos municipais e de cerca de 26% dos conselhos tutelares criados nos 5.024 municípios brasileiros demonstrou que o reordenamento institucional é uma realidade viva em todo o país, em cumprimento aos princípios de descentralização e participação popular na formulação e controle das políticas públicas estabelecidos pela Constituição Federal e regulamentados pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
O ECA expressa a síntese de articulação e esforços para superar a fragmentação e descontinuidade das políticas governamentais, sobretudo pelo caráter paritário dos conselhos de direitos, governo e sociedade civil com atribuição específica de decisão sobre as diretrizes e conformação das políticas públicas destinadas às crianças.
Assegurar os direitos da criança e do adolescente é absoluta prioridade do Estado, da sociedade e da família e esta questão se inscreve, necessariamente, na agenda política nacional, lançando as sementes de uma "utopia possível", ou, como quer o presidente eleito, "impregnado por essa paixão pelo possível".
De fato, tanto em termos de processo de mobilização da sociedade, como em termos de conteúdo, o ECA superou os preceitos da própria Convenção Internacional dos Direitos da Criança e tem se constituído num paradigma para os demais países latino-americanos.
Entretanto, prevalece o fosso entre a legislação competente e de vanguarda e a árdua concretude de exclusão social, na busca pela transformação de políticas governamentais em políticas públicas que atendam as reais necessidades e interesses das crianças e jovens brasileiros.
O mapa da criança, traçado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em novembro de 1993 indica que entre os 32 milhões de indigentes (22% da população nacional com renda mensal familiar insuficiente para suprir as necessidades básicas de alimentação), há 15 milhões de indigentes infanto-juvenis (um quarto da população nesta faixa etária).
É no Nordeste que se concentra o maior número de crianças e adolescentes que sobrevivem em condições de miséria. No Sudeste, o fenômeno concentra-se maciçamente nas áreas urbanas. Em São Paulo, representam um contingente de 327 mil e no Rio de Janeiro, 471 mil, que, literalmente, passam fome.
Esses dados alarmantes refletem a imensidão da tarefa a ser desenvolvida para o resgate de direitos e da cidadania da criança brasileira e da imensa dívida social deste país.
Os conselhos estaduais apontaram duas priorizações para o esforço conjunto: investimentos na escola pública, como "locus" importante para o desenvolvimento socioeducacional, transformando-a num espaço de acolhimento e não de exclusão (ao lado do direito básico à convivência familiar, com o suporte e apoio às famílias, sem que estas tenham medo ou se sintam ameaçadas com a perda do "pátrio poder" só pelo fato de serem pobres).
Além disso, o fortalecimento das políticas de proteção especial, voltadas para as crianças de rua, para as meninas exploradas na prostituição e, para os jovens infratores, entre os segmentos mais vulneráveis da população infanto-juvenil e as vítimas da violência e opressão.
A garantia de oferta consistente e permanente de políticas sociais básicas deve ter a saúde como outro eixo estratégico, priorizando desde a atenção básica até o atendimento especializado, por exemplo, aos portadores do vírus HIV.
O direito às políticas públicas propugna a articulação das políticas de cultura, esporte e lazer, formação profissional e assistência social numa multiplicidade de programas e diversidade de projetos que atendam as peculiaridades do desenvolvimento, as especificidades locais e regionais e a urgência das demandas numa verdadeira explosão de criatividade e redirecionamento de recursos.
A erradicação do trabalho infantil abaixo dos 14 anos de idade é uma meta a ser alcançada até o final do século, como desafio ao esforço solidário do Estado e da sociedade e em respeito ao preceito legal que regulamenta a matéria, além da proteção e garantias ao adolescente trabalhador.
Em síntese, a criança brasileira tem direitos e impõe-se respeitá-los, sob pena de responsabilização prevista no ECA pelas violações cometidas por ação ou omissão do Estado, da sociedade e da família. É urgente assentarmos os alicerces de uma era de direitos e cidadania da criança e do jovem deste imenso país.

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