São Paulo, sábado, 14 de janeiro de 1995
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Mecenas

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

No início da década de 80, um jovem piloto brasileiro que vinha obtendo seguidos sucessos na Europa voltou ao Brasil para, literalmente, passar o chapéu.
Elaborou um currículo e foi bater na porta de meia dúzia de empresas previamente escolhidas.
Em uma delas, subsidiária de uma grande montadora, foi recebido por um dos diretores e falou: "Meu nome é Ayrton Senna e preciso de dinheiro para chegar à Fórmula 1".
O executivo olhou, pensou, repensou e respondeu, secamente: "Não interessa". Anos depois, a cada manhã de domingo, o tal diretor repetia para si a mesma frase: "Que cagada!"
O episódio exemplifica bem um dos dilemas do patrocínio esportivo, fundamental para quem pensa em seguir carreira no automobilismo. Mas as canoas furadas também existem. E bastante.
Tem muita gente por aí empatando dinheiro no incerto e tendo retorno, no mínimo, duvidoso. Para piorar, existe, também nas pistas, a figura do intermediário inescrupuloso.
Nesta semana, dois fatos chamaram a atenção para este problema. Enquanto Christian Fittipaldi perdia o apoio do Banespa, Rubens Barrichello garantia um contrato milionário com a Pepsi.
É até louvável a preocupação do banco estadual em cortar as gorduras, mas é de estranhar que exatamente um dos patrocinados que mais têm espaço na mídia seja sacrificado.
Não se defende aqui a manutenção do contrato do piloto. Isso é problema dele. Se cobra, sim, coerência nas ações –algo raro em se tratando de estatais.
Sem falar que o país vive início de governo, quando medidas de impacto são anunciadas aos borbotões para garantir espaço nos jornais.
Christian pode até ser vítima de uma dessas ondas breves de austeridade, mas melhor seria que garantisse o apoio de uma empresa saudável, o que não é, nem um pouco, o caso do Banespa.
Na outra ponta, parece também haver problemas. É inegável que a carreira de Barrichello é muito bem administrada –o desenlace positivo (para o piloto) da briga Arisco x Philip Morris é um bom exemplo.
É possível dizer o mesmo de Christian? O último ato do piloto já acena como uma tentativa imediata de mudança.
Contratou Fernando Paiva, um engenheiro brasileiro que já foi responsável pela telemetria da Minardi e passou o último ano envolvido com a Indy. O que significa, no mínimo, um bom trânsito nos labirintos das duas categorias.
Patrocínio é algo complicado, ainda mais em um país como o Brasil. E, paradoxalmente, explica a sempre enaltecida safra local de pilotos.
A pequena casta poderosa produz filhos que têm tempo livre e dinheiro suficiente para bancar aventuras adolescentes pelas pistas. E como o número é grande, se torna natural o surgimento de vários talentos.
E a ausência de critério acaba pulverizando o patrocínio entre bons e maus pilotos indiscriminadamente.

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