São Paulo, sábado, 14 de janeiro de 1995
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A quebra da inércia medrosa

EMERSON KAPAZ

Um dos maiores benefícios da globalização da economia é a crescente dificuldade que os países encontram para se isolar. A competição macroeconômica obriga as empresas a exercerem no limite máximo as chamadas vantagens comparativas e a criatividade.
Para tanto, é imprescindível aperfeiçoamentos na política tributária, financiamentos com juros e prazos compatíveis com os demais parceiros do mercado internacional, além do apoio de um Estado eficiente, forte e indutor do desenvolvimento.
Na discussão desse tema, a questão salarial é colocada como um problema de ajuste entre oferta e demanda de mão-de-obra. Mas não é mais possível deixar de lado a necessidade de elevação do poder de compra da classe trabalhadora.
Isso não é apenas uma condição para a melhoria do nível de vida da população. Fortalecerá o mercado interno e, portanto, nossa competitividade internacional. Aí é que se insere o problema dos encargos sociais cobrados sobre a folha de pagamento.
O salário que o brasileiro recebe na boca do caixa é baixo, mas custa caro para as empresas. Exatos 125% a mais do que os trabalhadores recebem. Ou seja, um salário de R$ 200 custa para a empresa R$ 450.
É verdade que uma parte desses encargos não deixa de ser um salário indireto. Mas também é fato que parte do que deveria ser um benefício, particularmente o da previdência, acaba sendo um malefício compulsório, tanto para o trabalhador quanto para a empresa.
Diante desse quadro vem a pergunta: como elevar o valor dos salários, aumentando a competitividade, sem onerar ainda mais a folha de pagamentos? Dos 125% dos encargos, com certeza entre 30% e 40% poderiam ser redirecionados com possibilidades de ganhos reais para o poder de compra dos trabalhadores.
Essa margem de manobra envolve o PIS/Pasep, INPS, salário-educação, Senai, Sesi e Sebrac, entre outros. Cada um deles com seus problemas específicos, que merecem uma discussão aprofundada.
Não é mais possível enfiar a cabeça na terra como avestruz, esperando que o problema se resolva isoladamente. É preciso romper a inércia medrosa. Não existe qualquer outra solução para melhorar a participação dos salários na renda nacional sem a revisão dos encargos sociais.
A saída está num acordo tripartite –empresários, trabalhadores e governo– que estabeleça um cronograma, pelo qual cada ponto percentual de encargo seja repassado progressivamente e de forma integral para o salário.
Com efeito cumulativo, os salários poderiam ter aumento real de no mínimo 26%, em uma escala de 1% ao mês, de modo consistente e não abrupto.
A arrecadação de impostos e das contribuições sociais, com os atuais níveis de sonegação e informalismo (em torno dos 50%), sofreria uma queda de 24%.
Para a empresa, o valor do custo na folha permanece. Mas a compensação se dará na melhoria significativa do poder de compra do mercado consumidor. O qual, por sua vez, também não sofrerá com o repasse de aumentos salariais para os preços.
Essa proposta, discutida informalmente há algum tempo entre alguns interlocutores tanto no meio empresarial quanto na liderança dos trabalhadores, precisa ser aperfeiçoada. O mais importante, porém, é constatar que já existe suficiente vontade política para levá-la adiante. No cenário internacional, sem dúvida, já estamos atrasados.

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