São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Fascistas paulistas

RICARDO FRANK SEMLER

Espaço para fumantes é apenas a ponta do iceberg. O fascismo envolve paternalismo, autopromoção de líderes carentes e desprezo pelos que estão sendo enganados. Agora, em pleno revival da democracia, ergue sua feia cabeça.
Depois da inepta intervenção do Aristides Junqueira, veio a movimentação covarde do Congresso a favor do Lucena. Que elegerá ACMzinho para a presidência da Câmara, garantindo a imutabilidade –qualquer diferença entre Inocêncio e seu sucessor é mera coincidência, afora as gravatas Hermés, Fernandinho que as guarde e livre.
Mas o melhor exemplo do best of benito está em São Paulo mesmo. O alcaide resolveu botar democracia, transparência e liberdade para escanteio. Sabendo ser fácil enganar a opinião pública, começa com a proibição do fumo.
Não sou fumante, e cheiro de fumaça me perturba. Mas aproveitar a onda para proibir o fumo em dezenas de situações é intolerância infantil. Há muitas maneiras de proteger os não-fumantes. A proibição só violenta uma liberdade, e é obra de trogloditas aproveitadores.
Fizesse pesquisas sobre cenas de sexo na TV, venda de camisinhas para menores de idade ou alvarás para saunas gay, o prefeito teria autorização do povo para acabar com tudo isso.
Talvez não tivesse sequer dificuldade em apoiar lei que determinasse a pena de morte para aidéticos. Fácil fazer lista de mais de uma centena de hábitos comuns a sociedades livres que poderiam ser abolidas por governantes espertalhões. Idem ao cinto de segurança ou aos capacetes em motos.
O embasamento vital de uma sociedade livre é a decisão soberana do cidadão. Quem tem alguma coisa a ver com decisões personalíssimas como estas?
Que o fabricante seja obrigado a incluir cintos é óbvio. O resto é demagogia e, principalmente, grande oportunidade para aplicação de multas milionárias, em detrimento óbvio do resto das questões, estas sim importantes, de trânsito.
Por isso vamos nos unindo ao Cairo em questão de escapamentos criminosamente poluidores de caminhões ou ônibus, mas sabendo que o lobby dos donos destes veículos impede qualquer ação saneadora. O mesmo em relação ao trânsito caótico e mal-administrado, que piora enquanto os guardinhas ficam de olho nos lucrativos cintos.
Vale também para demonstrações fascistas como estas que vimos em relação ao Playcenter ou ao estádio do Morumbi. Precisou que um garoto caísse para que a prefeitura fosse lá.
Aí, jogo para a platéia com interdição por tempo indeterminado. Brincadeirinha. Foi liberado em seguida. Então não deveria ter sido interditado, ou então muito antes.
Morumbi dos Stones, mesma coisa, só para fazer farol. Quando são torcedores sãopaulinos ou corintianos, que caia tudo.
Falou em evento global, com muito filhinho de papai na platéia, as "otoridades" de repente falam grosso. Enquanto põem abaixo igrejas, mistificando em público sobre serem edículas, e passam orçamentos falimentares na soturna virada do ano.
Falta pouco para provar que não há limites: Mike Tyson fazendo sua primeira luta aqui. Combina. Afinal, não foi o Maluf que disse que estuprar pode, matar não? Aos compatriotas violentados, bem-vindos ao estado totalitário municipal. Benito e Jânio não morrem tão cedo na saudosa memória de alguns.

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