São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Balança e cai

MARCELO LEITE

Vai ser moderno assim no inferno. Os tucanos estão caprichando na inovação. Em que outro país do mundo um governo comete um erro da ordem de US$ 1 bilhão nas contas da balança comercial, no auge da crise cambial mexicana, e sobrevive uma semana inteira sem que se conheça o autor da façanha?
Só no Brasil, mesmo. Essa história do déficit comercial de dezembro, que no dia 5 era de US$ 47 milhões e duas semanas depois subia oficialmente para US$ 884 milhões, é uma das histórias mais malcontadas dos últimos tempos (de quebra, o grave ministro da Fazenda, Pedro Malan, aproveitou para adicionar US$ 230 milhões ao déficit de novembro).
Mais que o governo, falhou a imprensa, em particular esta Folha.
Não foram poucos os que se lembraram da máxima de Ricupero, o novo e reto embaixador na Itália: o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde. E uma das principais funções da imprensa, para colocar a coisa em termos chãos, é descobrir o que o governo quer esconder.
Não foram poucos, também, os que pontificaram que o governo tinha de esclarecer rápida e cabalmente essa história. Era-lhe imperioso, dizia-se, apontar o responsável pelo erro, sob pena de comprometer a volátil credibilidade de estreante bem-intencionado.
Até a noite de sexta-feira, o nome dessa figura ainda era desconhecido do público. Espero sinceramente que jornais e revistas tenham demonstrado a competência tardia de desatualizar esta coluna, apontando nas suas edições de ontem ou de hoje quem deve ser responsabilizado por esse atentado fútil contra a estabilidade econômica.

A Folha teve desde o princípio um desempenho acanhado em seu papel de esclarecer o público sobre tema tão maçante e a um só tempo tão importante para a vida de cada um, em seus efeitos potenciais sobre a moeda. Na edição de sábado (14 de janeiro), tomou um furo memorável: seus dois principais concorrentes, O Estado de S.Paulo e O Globo, publicaram a informação do erro, que o jornal não teve.
No Estado, o caso foi revelado em reportagem de Suely Caldas e Vladimir Goitia. No Globo, pela coluna Panorama Econômico, de Míriam Leitão.
Foi um furo importante, em um assunto importante para o leitor e para o país, reconheceu a secretária de Redação da Folha, Eleonora de Lucena. Tentamos recuperar ainda no sábado, mas não foi possível.
Com efeito, no domingo a Folha não trazia uma linha sobre o furo. A edição dominical tem seu primeiro fechamento às 12h de sábado e passa por sucessivas atualizações até as 20h.
O pior é que o Folhão dedicava mais da metade de sua pág. 1-14 a entrevista com a ministra da Indústria, Comércio e Turismo, Dorothéa Werneck, exatamente a pasta em que teria sido produzida a estimativa ricuperiana dos US$ 47 milhões.
Enquanto os leitores do Estado e do Globo já se alarmavam há 24 horas com as consequências então imprevisíveis da suspeita de maquiagem dos números, os da Folha tinham de aturar a ladainha-padrão dos tucanos sobre a identidade brasileira:
Folha - A crise mexicana trouxe o debate para a política cambial...
Dorothéa - O que é ótimo, inclusive para mostrar as diferenças entre o Brasil e o México.
Foi só na segunda-feira que o leitor da Folha tomou conhecimento do fato. Mesmo assim, em uma chamada de capa enigmática, de apenas uma coluna e abaixo da dobra do jornal: Exportador critica nova estimativa para déficit. Ou seja, a reação a uma notícia que o jornal não tinha dado.
Na crítica da edição que redigi naquele dia, um documento interno distribuído para todos os jornalistas da casa, anotei sob o título Oficial:
A Primeira de hoje registra (...) duas entrevistas em que ministros apresentam seus planos e promessas (Jobim e Jatene). Outro ministro, Bresser, emplacou artigo em Tendências/Debates e Entrevista da 2ª uma página adiante. Na sexta-feira, enquanto estourava o erro da balança, a Folha recebia o ministro José Serra em seminário.
O jornal tem aparentemente bom trânsito junto ao novo governo, mas não tem informações.

Outro assunto que deu o que falar, esta semana, foi a aprovação na Câmara e no Senado da anistia ao senador reeleito Humberto Lucena, presidente do Congresso Nacional cassado por fraude eleitoral.
Muitos leitores de outros Estados procuraram o ombudsman –estimulados talvez pela instalação de um telefone para ligações gratuitas, 0800-15-9000– para pedir, quase exigir, que o jornal publicasse a relação dos deputados que votaram contra e a favor.
Expliquei a todos que a lista tinha saído, sim, mas só na chamada edição São Paulo do jornal, que é concluída às 23h30 do dia anterior. Quem recebeu a edição Nacional (fechamento entre 20h e 21h), ficou sem ela por falta de tempo para inclusão no jornal.
A reação de todos foi a mesma: pois então que o jornal publique o rol dos votantes na edição Nacional. Sugestão feita, sugestão encaminhada.

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