São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Em outros tempos

JANIO DE FREITAS

O que é escandaloso sempre variou de época para época. Mudam os costumes, muda o que escandaliza. No Brasil é diferente. Aqui o fato ganha ou não o tratamento de escândalo em função de quem é protagonista do fato.
Dono em São Paulo de uma tal Epcint, especialista em negócios, digamos, inconvencionais, José Amaro Pinto Ramos está envolvido em um escândalo nos Estados Unidos, acusado de subornar o secretário (aqui, ministro) americano de Comércio, Ron Brown. É de amplo conhecimento no grande empresariado paulista a ligação de Pinto Ramos com Sérgio Motta, o tesoureiro de Fernando Henrique Cardoso e hoje ministro das Comunicações. Foi pelo conhecimento desta ligação que Pinto Ramos, ou Zé Amaro, pôde arrecadar importantes somas destinadas, nominalmente, às campanhas eleitorais de Fernando Henrique. Em outros tempos, mesmo que fossem os recentes tempos de Itamar aí já haveria matéria-prima bastante para escândalo.
Não fazendo o jornalismo brasileiro a ligação entre Pinto Ramos, Sérgio Motta e Fernando Henrique, o jornalismo americano cuidou dela, estabelecendo na revista "U.S. News and World Report" o elo entre o acusado de suborno e o presidente do Brasil. Mais um estopim que, em outros tempos, atearia um escândalo.
Mas Fernando Henrique, com a firmeza que tem para dizer qualquer coisa, assegurou que sequer conhece o homem dos negócios inconvencionais. Foi este homem, no entanto – como expôs na Folha de ontem o repórter Xico Sá –que promoveu em Nova York um jantar de homenagem ao então ministro Fernando Henrique. Se não mentiu, o presidente está dominado por uma esclerose cerebral precoce que o incapacita para o exercício da presidência. Em outros tempos, nenhuma das duas hipóteses o livraria de tornar-se a personagem central de um escândalo daqueles.
Não só de ligações sombrias e negócios nebulosos fazem-se lá fora, e faziam-se aqui, os escândalos. Entre a eleição e a posse, várias vezes Fernando Henrique aderiu à reação dos que consideravam inadmissível a proposta de prorrogação do Fundo Social de Emergência –aquele que, devendo vigir só em 94, tomou o nome de social para encobrir sua finalidade real, que era aumentar os impostos das pessoas físicas em geral e dos assalariados em particular.
Pois bem, o FAS não foi prorrogado, mas na Medida Provisória 812 foi embutido um artigo que, na prática, prorrogou sem limite no tempo o aumento de imposto que devia expirar com o FAS em 31 de dezembro passado. O presidente usara, ao se manifestar contra a prorrogação do Fundo e do imposto elevado apenas temporariamente, o mesmo tipo de palavra com que nega o conhecimento do homem dos negócios inconvencionais. O embuste duplo, palavra e da MP, em outros tempos estaria nas manchetes próprias dos escândalos.
As cortes tornam moda os usos dos príncipes. E talvez por este mecanismo que se explica o arranjo feito pelo ministro do Planejamento, José Serra, no Orçamento para 95. A receita, que deveria ser composta pela arrecadação de impostos e taxas em geral, foi engordada com um monte de bilhões provenientes de privatizações ainda imaginadas, a venda de produtos agrícolas estocados para urgências de consumo e até com possíveis empréstimos externos. Fossem os tempos de Delfim Netto, do não-paulista Paulo Haddad e tantos outros, haveria uma tempestade de acusações de manipulação enganadora, puxadas pelos hoje peessedebistas.
Em outros tempos – ora, de que interessam outros tempos passados? Em outros tempos estamos agora, tempos novos, de austeridade, de transparência e sobretudo de moralização.

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