São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Quem são esses juízes?

ADA PELLEGRINI GRINOVER

Os juízes Falcone e Borsellino, vítimas de emboscadas proditórias e sangrentas da máfia; o juiz Di Pietro, homem forte da "operazione mani pulite", que deixou recente e clamorosamente a magistratura; e tantos e tantos outros juízes, muitos dos quais estiveram no Brasil, em conferências e debates, trazendo sua experiência para o combate ao crime organizado.
Nossa literatura costuma considerá-los juízes. Refere-se a eles como a integrantes da magistratura. Louva sua independência e ousadia. Vê neles o magistrado emblemático, modelo para o juiz brasileiro.
Mas, quem são esses juízes, tão diferentes do juiz brasileiro? A verdade é simples: não se trata de juízes. São todos integrantes do Ministério Público.
Por que, então, chamar juízes a quem não é juiz? Porque na Itália a carreira da magistratura é única, congregando os verdadeiros juízes e os integrantes do Ministério Público, que podem até passar de uma função para outra, ao longo de sua vida profissional. Trata-se de um antigo vício do ordenamento italiano; e embora este tenha atuado em profundidade com o Código de Processo Penal de 1988, que aboliu os juizados de instrução, operando uma nítida separação entre as funções de acusar, defender e julgar –a primeira, exclusiva do Ministério Público; a segunda, do advogado; a última, do juiz–, não conseguiu livrar-se de uma organização que confunde as duas carreiras.
Por isso, não deve ser motivo de estranheza que os "juízes" italianos pareçam se exceder no exercício de suas funções. Trata-se de inquisidores, trata-se de acusadores, perfeitamente situados no cargo que ocupam.
O que deve preocupar –e o que realmente preocupa– é que por vezes o juiz italiano (o verdadeiro juiz) pareça mais próximo da acusação do que da defesa. Que possa vir a perder sua imparcialidade. Sim, porque afinal das contas o representante do Ministério Público é seu colega de carreira, pode ser o juiz de amanhã, e amanhã o juiz pode transformar-se em membro do parquet.
Impressiona, por exemplo, que os magistrados italianos sejam tão pródigos em deferir pedidos de encarceramentos cautelares, camuflando sob o fundamento do perigo do "inquinamento delle prove" prisões que têm sabidamente como único escopo o de compelir o indiciado a confessar. Tudo com consequências desastrosas, como os numerosos suicídios ocorridos.
Muitas lições podem tirar-se da situação italiana. Pode-se sem dúvida concluir que um Ministério Público competente e atuante, bem aparelhado e corajoso, realmente senhor do exercício da repressão penal –a começar pelo inquérito, que deve necessariamente supervisionar e acompanhar– somente pode contribuir para a eficácia do sistema.
Mas não se confunda a atuação eficiente do Ministério Público italiano com o efetivo e atento controle jurisdicional, a ser exercido por um juiz imparcial. Este, afinal, não está comprometido com a luta contra o crime: está comprometido exclusivamente com a justiça.

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