São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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Para Nevio Scala, o modelo Parma é a 'salvação' do futebol italiano

EMILIO MARRESE
DO "LA REPUBBLICA"

O técnico Nevio Scala, 47, faz o tipo indiferente. Começou 94 ganhando a Supercopa européia e terminou o ano liderando o Campeonato Italiano. Mas diz que o futebol não é tudo. Aliás, para ele, o futebol começa e acaba em Parma.
Jura que não terá outro clube. Seu contrato termina no ano 2000. Só um trabalho no exterior o tiraria de sua plantação de pepinos.
Vêneto, ex-jogador, agricultor, caçador, poliglota, Scala leva a sério o projeto Parma como alternativa ao poder, como saída para a crise do futebol na Itália.

O PROVINCIANO
Não penso que nascer, crescer e morrer futebolisticamente no Parma seja depreciativo. Não acho que um treinador possa se consagrar só em Milão, Torino ou Roma. Aqui tenho tudo que quero. E ganhar um campeonato aqui é passar para a história.

O DEMOCRÁTICO
Divirto-me hoje como no começo da minha carreira, graças a um equilíbrio que alcancei no relacionamento com os jogadores, o que compensa os aspectos negativos. Não foi fácil chegar em cima. Tivemos de brigar, construir, nos confrontar, admitir os erros. Para chegar ao topo, não basta ganhar aos domingos (quando se joga na Itália). É preciso ganhar às segundas, às terças, todos os dias. O campo é o último componente.
Assumo a responsabilidade pelo time que mando em campo, mas os jogadores têm de se responsabilizar por fazê-lo funcionar.

O COERENTE
Antes de comprar um jogador, queremos saber tudo sobre ele: da vida privada ao caráter. A diferença entre nós e o Milan é que nunca tivemos que administrar fenômenos. Um verdadeiro fenômeno é aquele que sabe se inserir na equipe e faz a diferença. O erro é comprar um nome e não um homem.

O ECONOMISTA
Os sucessos precedentes do futebol da província foram fortuitos. O Parma é feito para durar no tempo. Parma não poderá nunca competir com Milão ou Roma. Não pode pagar US$ 2 milhões por qualquer jogador. Temos um estádio para 28 mil espectadores e não para 100 mil. Já chegamos a um nível altíssimo de investimento, graças ao fato de o proprietário do clube ser o próprio patrocinador, que destinou dinheiro do seu orçamento publicitário para o futebol.
É errado dizer que o modelo Milan levou muitos clubes à falência. O erro é de quem deu o passo maior que a perna, copiando o mais rico. O modelo alternativo do Parma mostra que existe uma outra estrada para o título.

O TORCEDOR
A queda de público se deve a vários fatores. Uma família não pode gastar US$ 350 por mês para ir ao estádio. A quem diz que o preço dos ingressos não pode diminuir, respondo que quando os jogadores ganharem US$ 350 mil em vez de US$ 1,5 milhão, a necessidade de dinheiro das equipes diminuirá. Além disso, há a overdose de futebol na TV, que, combinada ao medo de tomar uma facada, desencoraja o torcedor. Não sou contra o futebol na TV, mas creio que deva ser selecionado, senão dá náuseas. As pessoas não vão mais às partidas por que não se divertem. Em Parma, passamos de 2.000 torcedores fixos (por assinatura) para 20.000. Não porque fomos campeões, mas porque o time jogou e se comportou bem.

O CLANDESTINO
Nós crescemos, mas não mudamos nosso modo de viver. Em Parma não nos oprimem, e fora daqui não nos conhecem. Somos uma ilha feliz que viaja. Nos movemos no futebol como eu por Parma, sem ser notado.

O TEÓRICO
A força do belo futebol pode se impor nas situações mais difíceis, pois, quando se joga bem, cedo ou tarde se ganha.

O SOCIÓLOGO
O belo futebol, porém, é impotente contra a violência. Se alguém decide dar uma facada num estádio, a partida não tem nada a ver. Temos responsabilidade quanto à exposição na mídia, mas essa violência não tem raízes no futebol.

O POLÍTICO
Estou chateado, mais do que preocupado, com a situação italiana. É uma luta entre homens, e não mais entre ideologias. O que acontece hoje é vergonhoso, e não me agrada a bagunça em que vivemos. Por isso, às vezes, sinto vontade de largar tudo e ir para o exterior. Acho que Silvio Berlusconi (ex-premiê) tem razão quando diz que não o deixaram trabalhar. Nenhum governo que tenha herdado uma situação tão desastrosa pode resolvê-la em seis meses.

O LIBERAL
Eu nunca experimentei embaraço ao receber meu pagamento mensal. Sei que sou um privilegiado, mas não me envergonho. Estamos num país democrático. Aqui vigora a lei da oferta e da procura. Haverá sempre diferença de salários. Mas se o futebol decidir pagar US$ 700 por mês, me adapto.

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