São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 1995
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O parque dos midiassauros

MICHAEL CRICHTON
ESPECIAL PARA O "NEW PERSPECTIVES QUARTERLY "

Sou autor de um romance sobre dinossauros, um romance sobre relações comerciais entre os Estados Unidos e o Japão, e um romance sobre molestamento sexual –o que algumas pessoas chamaram de minha trilogia dos dinossauros. Mas quero me deter aqui em outro dinossauro, um que pode estar a caminho da extinção: a mídia norte-americana. E eu uso o termo extinção literalmente. Para mim, é provável que o que entendemos hoje por comunicação de massa terá desaparecido em dez anos, sem deixar traço.
Há evidências de um processo de extinção há muito tempo. Todos sabemos de estatísticas sobre o declínio no número de leitores de jornal e espectadores de grandes emissoras de TV. As pesquisas mostram atitudes cada vez mais negativas do público em relação à imprensa –e com bons motivos. Uma geração atrás, o filme Rede de Intrigas, de Paddy Chayevsky (dirigido por Sidney Lumet), parecia uma farsa ultrajante. Hoje, quando Geraldo Rivera mostra as nádegas, quando o "The New York Times" cita Barbie (a boneca) erroneamente, e a NBC falsifica imagens noticiosas de caminhões explodindo, Rede de Intrigas parece um documentário.
Ainda assim, a mídia parece que simplesmente não percebe. Eles não entendem porque os consumidores estão insatisfeitos com sua mercadoria. É desta percepção, de que a mídia e nosso conceito atual de notícia está ultrapassado, que eu gostaria de tratar.
Por um momento, deixarei de lado os comentários amargos mais comuns sobre a imprensa, e darei como certo que que todos os seres humanos tem apetite por fofoca e escândalo; que a mídia precisa atrair a audiência, que o viés está tanto no olhar do leitor quanto na pena ou voz do repórter.
Vamos nos concentrar em vez disso na questão da qualidade.
A mídia é uma indústria e seu produto é a informação. E juntamente com muitas outras indústrias norte-americanas, a mídia americana produz um produto de qualidade muito baixa. Sua informação não é confiável, tem lantejoula e purpurina demais, suas portas rangem, quebra quase que de imediato, e é vendida sem garantia. É chamativa, mas é basicamente lixo.
Produto de má qualidade resulta, em parte do sistema educacional americano, que forma trabalhadores mal-educados demais para gerar informação de alta qualidade. Em parte, é um problema de gerenciamento míope, que encoraja lucros em detrimento da qualidade. Em parte, é um fracasso em responder às renovações tecnológicas –particularmente à tecnologia mediada por computador conhecida coletivamente como a Rede. E, em grande parte, é um fracasso em reconhecer mudanças nas necessidades da audiência.
Nas últimas décadas, muitas companhias americanas atravessaram uma dolorosa e difícil reestruturação para produzir produtos de alta qualidade. Isto requer sobretudo um achatamento da hierarquia corporativa, movendo informação crítica da base para cima em vez de fazê-lo do topo para baixo, dando mais poder aos trabalhadores. Isto significa mudar o sistema, não apenas o foco da corporação, e procurar incansavelmente um produto de qualidade. Aumento na qualidade implica mudança na cultura corporativa –uma mudança radical.
Em termos gerais, a mídia americana se manteve indiferente a este processo. Houve algumas inovações positivas, como a CNN e a C-Span. Mas a notícias na TV e nos jornais são geralmente consideradas menos precisas, menos objetivas, menos informativas que uma década atrás. Em vez de se concentrar na qualidade, a mídia tem tentado ser viva e chamativa –vendendo o molho, não o bife; o apresentador do talk-show, não o convidado; o formato, não o assunto. Neste processo, abandonaram sua audiência.
Quem será a GM ou IBM dos anos 90, a próxima grande instituição americana que vai se descobrir obsoleta e ultrapassada, enquanto que se recusa obstinadamente a mudar? Suspeito que uma resposta seria o The New York Times e as emissoras de TV comerciais. Outras instituições foram pressionadas a melhorar sua qualidade. A Ford hoje faz carros melhores que em qualquer outra época; nós podemos agradecer a Toyota e a Nissan por isso. Mas quem vai pressionar o The New York Times?
A resposta, creio eu, é a tecnologia. A mídia sempre foi impulsionada pela tecnologia. Ainda assim é surpreendente constatar quanto de suas atitudes e terminologias são bastante antigas. Clichê e tipo são termos de impressores do século 18, que se referem a tipos de metal. A estrutura de pirâmide invertida dos textos de jornal foi uma respostas aos primórdios do telégrafo; os repórteres não estavam muito certos de que conseguiriam pegar toda a história antes que o telégrafo pifasse, então começaram a colocar a informação mais importante em primeiro lugar. A primeira imagem transmitida pela TV foi um cifrão, dando o tom do futuro daquele meio de comunicação.
Mas o impulso da tecnologia moderna é radicalmente diferente, porque desafia o próprio conceito de informação em nossa sociedade.
A informação hoje tem importância vital. Nós vivemos dela. No ano 2000, pela primeira vez em nossa história, 50% de todos os empregos americanos vão requerer pelo menos um ano de universidade. Neste ambiente, notícias não são entretenimento –são necessidade. Precisamos delas –e precisamos que sejam de alta qualidade; abrangentes e factualmente precisas.
Mais e mais, as pessoas entendem que pagam pela informação. Bancos de dados on-line cobram por minuto. À medida que a ligação entre pagamento e informação fica mais explícita, os consumidores irão naturalmente querer melhor informação. Eles a exigirão, e estarão dispostos a pagar por ela.
Vai haver –eu defenderia que já há –um mercado de informação de altíssima qualidade, o que os experts em qualidade chamariam de qualidade de seis sigmas (o padrão para aferir qualidade nos EUA sempre foi a Motorola, e até 1989 a Motorola falava em qualidade três sigmas –três partes inúteis em cada mil. Qualidade seis sigmas significa três partes inúteis em cada um milhão.
Isto é um salto de qualidade, até então incompreensível em termos de qualidade americana, embora os japoneses o venham fazendo há anos. Mas tal rigor é desconhecido na mídia. Nenhum dos meios de comunicação tradicionais sequer começou a atender esta demanda.
E se alguém me oferecesse um serviço de informação de alta qualidade? Um serviço em que todos os fatos fossem verdadeiros, as citações não fossem arranjadas, as estatísticas fossem apresentadas por alguém que entendesse de estatísticas? Quanto isto valeria? Muito. Porque boa informação tem valor. A noção de que é apenas um recheio entre os anúncios está ultrapassada.
Há uma segunda tendência, relacionada a esta. Eu quero acesso direto à informação que me é interessante, e cada vez mais, espero consegui-lo. Está é uma tendência que tem perdurado em muitas tecnologias. Quando eu era criança, os telefones não tinham disco. Você pegava o telefone e pedia uma ligação à telefonista. Agora, se você já teve a experiência de esperar que uma ligação fosse feita para você, sabe como pode ser exasperante. É mais fácil e eficiente discar o número você mesmo.
O equivalente na mídia de hoje ao telefonista de então é Dan Rather, ou o editor de primeira página, ou o repórter que mexe nos fatos para torná-los atraentes e vivos. Cada vez mais, quero remover estes filtros, e em alguns casos já posso fazê-lo. Quando leio que Ross Perot foi interpelado por um comitê do Congresso, já não dependo somente do vivo e atraente relato do The New York Times, que fala das homílias caipiras de Perot e uma série de outros brilhantes adereços nos quais não estou interessado. Posso ligar na C-Span e ver eu mesmo o acontecimento. No processo, posso também ver quão preciso o relato do The New York Times foi. É isto provavelmente vai alterar minha percepção do The New York Times, como realmente aconteceu, porque o The New York Times parece ter um problema com Ross Perot. Isto me lembra a história que se contava sobre Hearst, que disse ao ver um velho adversário na rua: Não sei porque ele me odeia, nunca lhe fiz um favor.
Mas minha possibilidade de assistir à C-Span nos traz à terceira tendência: a aproximação do fim do monopólio de informação da mídia –um monopólio que se mantém desde a concepção de nossa nação. A Revolução Americana foi a primeira guerra travada, em parte, através da opinião pública nos jornais, e Ben Franklin foi o primeiro lobista a usar a mídia e empregar técnicas de desinformação. Pelos 200 ou mais anos que se seguiram, a mídia se comportou de maneira basicamente monopolística. Tem tratado a informação da mesma maneira que John D. Rockefeller tratava o petróleo –como uma mercadoria, em que a rede de distribuição, em vez da produção de qualidade, é o principal. Mas uma vez que as pessoas possam ter acesso à informação primária por si mesmas, o monopólio acaba. E isto significa grandes mudanças, logo.
Uma vez que Al Gore consiga colocar as estradas de fibra ótica no lugar, e a capacidade de informação no país esteja onde deve estar, serei capaz, por exemplo, de ver qualquer encontro público do Congresso através da rede. E terei agentes inteligentes percorrendo bancos de dados, recolhendo informações em que tenho interesse e montando para mim uma primeira página, ou um programa de TV que corresponda aos meus interesses.
Terei as 12 reportagens mais quentes em que estou interessado, terei resumos à minha disposição, e poderei dar um clique de mouse para obter mais detalhes. Como Peter Jennings ou MacNeil-Lehrer ou um jornal vão competir com isso?
As instituições de comunicação vão ter de mudar. Claro, eu ainda não sei o que eu não sei, o que significa que prospecções amplas e fontes interpretativas terão valor –se estas fontes se empenharem em trabalho interpretativo genuinamente de alta qualidade, ou em trabalho investigativo genuinamente de alta qualidade. No momento, nenhum dos dois acontece muito frequentemente.

Tradução de MARIA ERCILIA

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