São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 1995
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Totó, onde estamos?

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

O "World Debt Tables" do Banco Mundial reporta dados úteis sobre os fluxos de capitais para países em desenvolvimento, mas é acompanhado por uma análise filtrada por lentes cor-de-rosa, que não poderia vir em momento mais acanhado. Dr. Pangloss tem seguidores no banco!
O boletim registra que o fluxo de capital de longo prazo aos países em desenvolvimento aumentou de US$ 213 bilhões em 1993 para US$ 227 bilhões em 1994. Os financiamentos oficiais permaneceram estáveis em US$ 54 bilhões e os capitais privados passaram de US$ 159 bilhões a US$ 173 bilhões. Os dados para 1994 são estimativas sujeitas a revisão.
O "press release" da publicação traz uma citação embaraçosa de Michael Bruno, o competente economista-chefe do banco: "As reformas econômicas que muitos países em desenvolvimento vêm conduzindo nos últimos anos desempenharam um papel importante para restabelecer a credibilidade desses países e atrair esse montante de capitais privados"!
Quem diria? Bem o Michael Bruno, que sabe que a razão principal do crescimento desses fluxos foi a redução das taxas de juros nos Estados Unidos a partir de 1991 e a maior internacionalização dos mercados financeiros do Primeiro Mundo. Muito pouco a ver com as variáveis sob controle dos países mencionados.
Um número que importa é o montante de "investimentos diretos" nas regiões em desenvolvimento. Essas inversões cresceram de US$ 67 bilhões para US$ 78 bilhões de 1993 a 1994 (valor projetado). A média de 1988-1990 era de US$ 27 bilhões.
Mas é preciso cuidado com esses dados. Primeiro, a China, cuja situação especial se explica muito pelos investimentos de expatriados chineses de Hong Kong e demais países, captou quase US$ 30 bilhões do total, tendo saído de US$ 1 bilhão nos anos 80. Ou seja, a maior parte do aumento se explica pela China.
Segundo, o valor reportado soma investimentos diretos novos com a compra de ações quando o controle acionário da empresa passa ao investidor estrangeiro. Uma parte do número citado é devida a investimento acionário e não à abertura de novas fábricas.
Isso importa? Importa muito, porque a entrada de capitais estrangeiros que aumentem a capacidade produtiva do país é que é desejável. Os estudos comparados de organização industrial e de produtividade mostram que as inversões estrangeiras na produção são, via de regra, positivas em seus efeitos dinâmicos sobre o crescimento. Esse é o tipo de fluxo que deveríamos ir buscar.
Como anda o Brasil no quadro? Dados do Banco Central (Firce) registram que em 1993, para um influxo bruto de capital de US$ 32,7 bilhões, apenas US$ 900 milhões foram de investimento direto. Em 1994, projetando os dados divulgados de janeiro a outubro, a entrada de capital deve ter atingido US$ 42 bilhões, sendo US$ 2,2 bilhões de investimento direto.
Voltando à publicação do Banco Mundial. É claro que é desejável que haja financiamento acessível aos países em desenvolvimento. Nesse sentido, o crescimento registrado dos fluxos de capital é positivo.
Parte da maior facilidade desses financiamentos deve continuar, porque eles refletem mudanças estruturais nos mercados financeiros internacionais e sua maior globalização.
Mas o risco é tomar os fluxos de endividamento como constantes e confiáveis. Nos anos 70, tanto o Banco Mundial como o FMI estimulavam os países não-produtores de petróleo a tomar endividamento para financiar suas importações.
Quando veio a crise da dívida externa, esses dois organismos foram rápidos na acusação da falta de responsabilidade dos países que se endividaram tanto.
A hipocrisia do fato foi analisada em um memorável estudo de 1984 de Carlos Diaz-Alejandro, intitulado "Ih, Totó; acho que não estamos mais no Kansas!" (a famosa frase do filme "O Mágico de Oz", após a passagem do furacão).
Pelo visto, andaram esquecendo a lição.

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